A polêmica do momento é a ampliação para oito anos do curso de medicina, com dois anos dedicados ao SUS. Quer saber? Isso deveria ser aplicado a todos os cursos universitários.
Vivemos em um país extremamente desigual, com elevada concentração de renda e oportunidades restritas a poucos. Segundo relatório sobre educação divulgado em setembro de 2012 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 11% da população brasileira com idade entre 25 e 64 anos concluiu o ensino superior, o que nos coloca na 38ª posição entre 40 nações.
Desconsiderando-se, por um instante, a qualidade do ensino, é fato estatístico que um diploma garante maior remuneração, oportunidades de emprego e ascensão social. Entre os brasileiros, apenas 6,4% dos trabalhadores ganham mais de cinco salários mínimos, índice que sobe para 33,9% entre os universitários.
Dentro deste contexto, deveria ser princípio de todo e qualquer estudante prestar serviços à população menos favorecida. Mais do que um dever cívico ou social, um dever de consciência.
Advogados deveriam atuar na Defensoria Pública. Administradores, contadores e publicitários deveriam prestar consultoria a pequenos empresários auxiliando-os na gestão de seus negócios, reduzindo os elevados índices de mortalidade das empresas.
Engenheiros e arquitetos deveriam visitar, analisar, avaliar e sugerir melhorias em infraestrutura de favelas, comunidades carentes e áreas públicas em cidades pobres e abandonadas à própria sorte, dentre os 5565 municípios existentes, muitos criados apenas para acomodar mais políticos e cargos públicos.
Enfermeiros, fisioterapeutas, dentistas e outros profissionais da saúde deveriam seguir o mesmo destino aplicado aos médicos. Enfim, todas as carreiras deveriam passar por uma profunda reforma em suas estruturas curriculares, com revisão da grade associada ao ciclo básico e ampliação do chamado ciclo profissionalizante.
Isso não significaria necessariamente a ampliação em um ou dois anos de todos os cursos, nem tampouco a prestação de serviços pelo período proposto pelo governo com relação aos médicos. Cada carreira precisaria ser analisada individualmente.
O fato é que, sem generalizar, mas pontuando como maioria dos casos, os tais trabalhos de conclusão de curso e estágios previstos nas estruturas curriculares atuais são um engodo, pois ensinam pouco e desenvolvem menos ainda. Não é à toa que estagiários carregam o rótulo de serviçais nas empresas, por vezes denominados office boys de luxo.
Ao fazer isso, muitos seriam os benefícios. Aos assistidos, a redução do abandono, a minimização do descaso. Aos estudantes, a oportunidade de exercitar a teoria, tornando-se profissionais mais preparados e qualificados.
Porém, há alguns pré-requisitos. Primeiro, a melhoria na qualidade do ensino, mediante valorização dos docentes (que deverão, além de ensinar, monitorar os alunos no período de atendimento à população) e acompanhamento rigoroso dos cursos universitários, coibindo a ação de “uniesquinas” que surgem com objetivo meramente pecuniário. E o melhor mecanismo para isso é a realização em todos os cursos de um exame similar ao aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aos formandos em Direito. Esta seria uma garantia de que as pessoas carentes não seriam assistidas como cobaias por profissionais com baixo nível de instrução.
A segunda providência é de responsabilidade pública e concerne à infraestrutura. Sem hospitais, postos de saúde, ambulâncias, equipamentos, remédios, de nada adianta ter mais médicos. Analogamente, em todas as demais profissões, o exercício do ofício demanda condições ideais de trabalho.
Terceiro, deve-se discutir com a sociedade como operacionalizar esta iniciativa, o que envolve inclusive a remuneração dos profissionais, uma vez que durante uma parte do período laborativo estes deverão ser remunerados. Isso afasta a tese de “serviço civil obrigatório”.
Aos críticos de plantão não faltarão argumentos. Irão falar em cerceamento da liberdade, nas dificuldades de alocar estudantes em regiões distantes, em uso de mão de obra barata. A grande questão é quem terá coragem de propor e debater esta grande revolução em prol da elevação da qualidade de ensino e da redução das desigualdades sociais.
Sobre o autor:
Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento” (Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” (Saraiva, 2008) e coautor de outros cinco livros.
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