“Você está demitido!”

Celso Gagliardo
Celso Gagliardo

O tempo passa, o mundo se moderniza, as máquinas são automatizadas e a eletrônica embarcada de toda forma mas as relações entre as pessoas continuam pegando. Dia desses fui instado a participar de um grupo de discussão no Linkedin, onde o tema era: “Quem deve dar a noticia da demissão”?, debate sobre a quem cabe o papel de comunicar ao desligado que seu contrato de trabalho fora rescindido.

Esse delicado e desagradável papel tem que ser exercido por alguém. E esse alguém é a Liderança próxima do colaborador, seja seu supervisor, gerente ou diretor. Ocorre que há gestores que fogem desse papel como o diabo da cruz. Alguns inventam desculpas, outros viajam para a Matriz ou Filiais, enfim, delegam como podem para um líder menor, e, principalmente, para os departamentos de RH, ou de Pessoal.

O RH deve instrumentalizar a demissão e alertar quanto aos aspectos legais, emitir o comunicado rescisório e verificar estabilidades eventuais, exames médicos, etc., mas nunca é a melhor opção para ser o primeiro porta-voz, pois quem sabe de fato sobre o real motivo é a Liderança da seção.

Eu vivi por décadas dentro de fábricas, participei de reestruturações, fusões, fechamentos de empresas. Tive logicamente que assumir esse papel inúmeras vezes, sozinho ou junto com gestores, e procurava fazer da forma mais humana e respeitosa possível. Senti em certas ocasiões que o desligado, muitas vezes antigo na organização, ficava desapontado quando não tinha ali um dirigente próximo para a consideração da última palavra.

Percebi, também, que a inabilidade de alguns gestores nesse momento chegou a motivar reclamação trabalhista contra a Empresa por pura mágoa com o ex-chefe. Não é RH quem administra os recursos ou o patrimônio humano da companhia. RH estabelece políticas, procedimentos, baliza, regula, instrumentaliza e alerta quanto aos aspectos legais. E, no processo de desligamento, também conversa com os desligados para levantar dados sobre clima organizacional e orientá-los sobre prazos, valores de rescisão, fundo, e até sobre recolocação.

Há líderes que chegam a dizer que ficam com medo de alguma represália, de agressão… ou que moram perto do desligado e por isso empurram a tarefa ao DP ou RH. Todavia, nenhum trabalhador é idiota para achar que foi o DRH quem tomou a decisão porque o DRH não sabe o que ocorre na sua seção, exceto quando há alguma ocorrência grave como fraude, furto, desvios, ou coisa parecida.

E, por paradoxal que seja, houve no debate a que me referi até gente do próprio “Departamento Pessoal” que também acha que esse setor é o mais indicado para dar a notícia da demissão, pois está melhor preparado para isso. Ora, pois. Recursos Humanos precisa orientar as lideranças, treiná-las para esse mister. A comunicação das boas e das não tão boas notícias legitima a Liderança junto ao subordinado, que espera saber da boca de seu chefe a dispensa, afinal é o chefe quem lhe cobra todo dia produção, qualidade, comportamento, pontualidade. RH pode estar junto, apoiando e complementando.

Mas, por que Líderes rejeitam essa tarefa? Normalmente é porque não fazem a lição de casa anterior, a de dar feedback positivo e negativo do desempenho a cada um, pois se assim o fizessem o colaborador seria alertado e aconselhado reiteradas vezes visando à correção de suas falhas, ficando assim o processo do desligamento algo normal, mera conclusão de um plano que não deu certo. Como se diz na gíria, “a fruta cai de madura”, naturalmente, sem surpresas.

Os nossos RHs precisam trabalhar mais, principalmente junto às lideranças intermediárias, para desenvolver suas habilidades sociais, fazendo-os gestores mais completos e não de mini-gerenciamento focado apenas na técnica, volume e conformidade dos processos.

Todos ganharão com isso!

Sobre o autor:

Celso Gagliardo é profissional de Recursos Humanos e Comunicações, graduado em Direito e especializado em Recursos Humanos, habilitado consultor de Pequenas e Médias Empresas. Prestou serviços como técnico, executivo e consultor em várias empresas nacionais. Foi redator de jornal, e treinador. Fundador e membro de Grupos de Recursos Humanos (atual CEPRHA), e diretor da PH – Patrimônio Humano, Consultoria e Serviços.

e-mail: gagliardo.celsoluis@gmail.com

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9 Respostas para "“Você está demitido!”"

  1. Manoel Montalvão · Editar

    Muito bom o texto do Celso, acho que gerência, supervisão ou chefe de setor ou departamento que tenda empurra a banana da demissão para o RH na realidade não mostram o seu papel de liderança que devereriam ter, pois na relação de trabalho não basta só da boa noticia para o colaborador, mais também a má noticia, como a demissão, sejá por corte de quadro por uma má avaliação do colaborador ou por qualquer motivo, pois é o comando do setor que vive o dia a dia com o colaborador é que deve estar preparado para qualquer situação. O RH nã tem essa resposabilidade e sim a parte legal, já fui a varias audiências trabalhistas como preposto em que o funcionário colocou a empresa na justisa por causa do supevisor, gerente ou chefe de setor.

  2. Artigo muito proveitoso. Trouxe de maneira clara uma realidade que muitos gestores de RH vem enfrentando nas organizações. Os Gestores imediatos precisam estar preparados, desenvolvidos e conscientes do seu papel de liderança.

  3. jose luiz amaral carneiro · Editar

    Muito bom o artigo Celso. É uma situação delicada e extressante onde é necessário muito profissionalismo. Não existe forma de minimizar as dificuldades. Só se pode criar atmosfera de respeito profissional e pessoal e fazer o que tem que ser feito. Não dá para fugir.

    José Luiz

  4. Daniel Silvino · Editar

    Excelente artigo. Muitos anos na indústria vi diversas vezes esse tipo de comportamento, em conjunto com o despreparo do anunciante versus a emoção do desligado, gerarem desconforto no ambiente de trabalho e até prejuízos irrecuperáveis. Quando o feedback é interrompido, já é um sinal que o funcionário já tem que ter outro local para trabalhar o mais rápido possível..
    .

  5. Renato J. Bispo · Editar

    Muito bom o tema e por mais que essas questões pareçam que já estejam alinhadas, quando vemos o artigo como esse bem escrito, direto, rico em conteúdo e que vai direto ao ponto. Verificamos que ainda – em algumas empresas – existe um desalinhamento quanto ao posicionamento do RH e DP (que as vezes são confundidos, mas esse é outro ponto..). E agravando um desalinhamento quanto ao papel, diretriz e posicionamento dos líderes (ou ditos líderes), muitas vezes por falta de treinamento & interação com o RH, ou pior por omissão desses profissionais que ocupam posições de liderança. 

  6. Alexandro Freires · Editar

    Muito bem posto este assunto, e olha que não sou da área mas posso colaborar. O pecado estar na ausência desta liderança que não acompanha de perto seu subordinado levando ele a construir seus próprios hábitos dentro da organização. Existe a VISÃO e MISSÃO interna da empresa e este colaborador não é colocado dentro desse propósito, é onde se ver a falta desse líder em informar e orientar este profissional para que sua carreira seja brilhante.  

  7. Excelente matéria, que será útil a muitas lideranças de se furtam ao papel pleno de comunicar e de dar retorno positivo ou negativo gradativo à sua equipe e, depois, querem transferir a responsabilidade do ato do desligamento para outra área. Este artigo serve como forma de preparo dos gestores no exercício do papel da liderança, no sentido mais amplo do seu significado.

  8. Nossa razoável experiência em gestão da área industrial, mais diretamente vulnerável às oscilações de demanda do mercado e igualmente cada vez mais cobrada para conseguir transformar ao máximo possível custos fixos em variáveis, confirma a assertividade de sua abordagem e análise, Celso. Também entendemos que o que torna este momento do desligamento extremamente delicado ainda mais penoso é a falta de feedback sincero e no dia-a-dia do trabalho. Por questões culturais, geralmente o brasileiro, em todos os níveis, têm maior dificuldade de encarar determinados enfrentamentos, alguns dos quais que até poderiam vir a evitar a necessidade do desligamento, procurando pautar a relação chefia-subordinado quase que apenas por temas de ordem técnica/operacional, aliviada por amenidades. Aos profissionais de RH, dentre outros, fica o desafio de desenvolver as lideranças através de orientação, estímulo e, principalmente, de exemplos concretos de prática de feedback adequado em forma e conteúdo. Abraço.   

  9. 😆 É por aí mesmo meu caro Celso, muito bom o texto e bem colocado. Eu acrescento que, lideranças ou pseudo lideranças jogam tais abacaxis ao RH/DP porque não gostam de se indispor com alguém, ainda mais se esse alguém lhe for ou foi muito próximo. É questão de cultura do brasileiro, que se acha o “gente boa”  se omitindo de toda sorte de assuntos e quando pode joga coisas delicadas e graves para outrem, lavando as mãos.  É isso que vemos cada dia mais no nosso país,onde a omissão, especialmente em interesses eleitorais, está causando danos cada vez maiores para todos, eis que o bom é reclamar em rodas sociais e nos bares e fazer piadas sobre as lambanças da vida pública, jamais se preocupando em saber que o responsável por elas se acham em seu meio, na sua casa, bastando se olhar no espelho. Um grande abraço.

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