Tenho ouvido de colegas especializados, os head hunters, pessoas acostumadas a fazer a ponte empresa-candidatos, que estamos vivendo a pior crise já vista mesmo para aqueles mais maduros, nascidos nos anos 50, 60.
O encolhimento da nossa economia, Produto Interno Bruto negativo em anos seguidos, colocou na rua milhões de desempregados. Desemprego é uma das piores coisas que podem acontecer, especialmente com os chamados ‘chefes/as’ de família. Para agravar, o brasileiro não é muito dado a poupar e manter reserva. Muitos porque não conseguem mesmo fazer a “sobra”, pois o orçamento é apertado. E assim, os recursos da demissão acabam se exaurindo em pouco tempo.
Costumo dizer que se os homens do Governo, especialmente aqueles da área econômica, pensassem um pouco mais nos efeitos de suas decisões talvez nem conseguissem dormir direito. O desemprego costuma ser uma das mazelas decorrentes de políticas econômicas desastradas, a par do que ocorre na economia mundial globalizada.
Acompanho o mercado de trabalho há décadas e desde o ano passado ouço a fala angustiada das pessoas e vejo depoimentos pelas redes sociais como o Linkedin, sintetizando um tempo de agruras, insônia, desespero mesmo porque embora cortando despesas as contas chegam sem a contrapartida de renda salarial para cobri-las.
O trabalho não representa apenas prestação de serviços por uma recompensa que vai nos manter financeiramente “vivos”. É mais que isso: muitos têm no labor a principal razão de sua existência e vida com dignidade, realização, existência produtiva. Outros têm um orgulho tal da profissão que a colocam acima de tudo, e de uma hora para outra se vêem “sem o chão” como costumam dizer, atordoados com a decisão da contratante.
O tempo é cruel para o desempregado. Os dias, meses, ano/s vão passando e a oportunidade de recolocação não aparece. É estressante a rotina de procurar emprego, fazer contatos, telefonar, mandar currículos, bater de agência em agência, pesquisar intensamente na Internet, preencher detalhados formulários, contatar amigos, colegas, ex-colegas.
Quando surge um retorno positivo se preparar para a entrevista. Ansiedade em alta com a expectativa criada. Fui bem? Fui mal? O entrevistador deu pistas? E a longa espera de retorno que nem sempre chega. Mais decepção, mais uma cutucada naquele ser sofrido, e um esforço de resistência para não se prejudicar mais ainda com baixa autoestima, ou até adoecer-se.
É nesse momento que as pessoas conseguem visualizar, também, os verdadeiros amigos. Aquele contato que retornou, mesmo sem ter indicação de uma vaga. Que deu uma palavra de alento, conforto e esperança. Que se colocou alguns minutos no lugar do desempregado para refletir com ele que se trata de uma situação de momento, e que não lhe afeta unicamente. Que é conjuntural. E que ele não pode desanimar até para não afetar a disposição para continuar a busca de trabalho compatível, realizar boas entrevistas ou mesmo ajustar as velas de seu barco e alçar novos vôos, novas ocupações, empreender, mudar de profissão, de área, fazer parcerias, enfim…
A crise também gera oportunidade de mudança. Organizações se redesenham e tomam medidas que vinham sendo postergadas. E trabalhadores – impelidos pela necessidade – arriscam decisões corajosas que em situação de normalidade não tomariam, e acabam sendo mais felizes trabalhando no que gostam, naquilo que lhes dá mais prazer, mesmo se ganhar menos.
Nas redes sociais há declarações de pessoas desempregadas que receberam de “estranhos” a consideração que não tiveram de gente próxima. Há grupos formados a partir de decepções comuns, pessoas que trocam informações, se atualizam com as ações do amigo de milhares de quilômetros de distância. Parece, mesmo, que mudamos e aprendemos na dificuldade, na emoção. Quem teve a oportunidade de ficar acampado por um tempo sabe do que estou dizendo. A fragilidade nos leva à aproximação, à solidariedade, e assim ficamos de corações abertos.
É no dia-a-dia que construímos relações fortes, ou seja, o network. Na reciprocidade, na atenção com o outro mesmo que isso não nos traga vantagens. Percebo que muitos não têm tempo para isso, tocam a vida conforme seus interesses imediatos, e depois – nos tempos bicudos – esperam cooperação, solidariedade, apoio, indicações e dicas de amigos, parentes e colegas. E nem sempre são atendidos !
Sobre o autor:
Celso Gagliardo foi gestor de RH de grandes e médias empresas, hoje consultor e treinador de Lideranças.
e-mail: gagliardo.celsoluis@gmail.com
Um excelente alerta Celso Gagliardo para dois posicionamentos de envolvimento: profissional e compreensão humana. Profissionalmente na ativa, cuidar (alem de desempenho eficiente da função) para uma convivência salutar com colegas e superiores de trabalho com quem possa contar como bons indicadores num futuro desemprego e na compreensão humana nossa para não medirmos esforço com o apoio, como você detalhou corretamente “atenção com o outro mesmo que isso não nos traga vantagens”. Nesses momentos, solidariedade pode salvar vidas.
Excelente matéria e artigo oportuno, que nos leva a refletir sobre a profundidade da crise e as decisões que levam à crise, principalmente destes políticos irresponsáveis e que não estão preocupados com o bem comum.