Recorro a esta indagação do poema José, de Carlos Drummond de Andrade, para falar sobre as recentes mudanças no eSocial, mais precisamente sobre as questões relacionadas a SST.
No respectivo poema, no início, a indagação toma forma da busca por um novo caminho, “já que a festa acabou”.
A seguir, o poema trabalha a ideia das incertezas sobre uma nova realidade, “já que com a chave na mão quer abrir a porta, mas, não existe porta”!
Já no final, observa-se, tanto a possibilidade de “fuga, de morte”, como a possibilidade de “mudança” e, enfatiza que José é duro e não morre”, portanto, muda!
Por fim, volta a indagar José, para onde seguir?
Assim, entendo, o que acontece com a área de Saúde e Segurança Ocupacional em boa parte das empresas no Brasil, onde, se busca cumprir as normas com o “jeitinho brasileiro”, e como exemplo cito o PPRA e o PCMSO, que não passam de documentos, preparados anualmente e, engavetado até o ano seguinte.
Na verdade, PPRA e PCMSO são programas que devem contemplar ações a serem cumpridas segundo cronograma estabelecido nos próprios programas.
Também ouvimos relatos, e não são poucos, de PPRA e PCMSO feitos por telefones, em total afronta, não apenas as normas brasileiras de SST, mas, também, as recomendações internacionais do trabalho.
Fato que, com as diretrizes do eSocial, trazidas no conjunto desde a primeira versão do leiaute e manual de orientação até a Nota de Documentação Evolutiva 01/2018, ficará cada vez mais complicado não cumprir à risca as obrigações previstas nas NRs.
Assim, se por um lado as empresas devem buscar o compliance em SST a fim de evitar multas e, até mesmo ações regressivas, por outro, os profissionais de SST devem se preocupar em dobro, pois, conforme o estabelecido na Seção II da IN 971/2009, as eventuais irregularidades, sejam elas por fraude ou imperícia, podem gerar Representação Administrativa aos Conselhos Regionais das categorias profissionais, com cópia para o MPT por parte da RFB.
Outro ponto que merece destaque tem relação com os sistemas de folha de pagamento, gestão de RH e de Saúde e Segurança do Trabalho. Neste caso, entendo, ainda vivemos os anos 80 e, necessitamos, na plenitude, passar a utilizar todos os recursos atualmente disponível a fim de auxiliar profissionais e empresas a evitarem não conformidades legais.
Quanto a isso, vejamos alguns exemplos:
- Primeiramente vamos aos casos dos treinamentos obrigatórios. É fato que eles devem ser consignados na Ficha de Registro, mas, nos sistemas de administração de pessoal, que mantém registro eletrônico, não encontramos espaço para as respectivas consignações.
- Hoje já dispomos de recursos, por exemplo email, aplicativos de comunicação via celular, etc.. Entretanto, por exemplo, alguns sistemas que gerenciam o vencimento de ASO, ainda obrigam os usuários gerar relatório mensal a fim de saber quais os colaboradores devem realizar os exames. Portanto, fica a pergunta, e se o usuário esquecer de gerar o respectivo relatório? Não seria muito mais eficaz e seguro o próprio sistema enviar mensagens por e-mail ou ao celular, para o RH, para o chefe do colaborador, para o médico do trabalho e até para o colaborador avisando sobre a necessidade de novo ASO? Ou ainda, já pré-agendar o exame com certa antecedência, avisar e pedir confirmação do colaborador?
Este são apenas alguns exemplos, entre diversos outros, que, entendemos, os sistemas devem auxiliar os usuários em seus processos e necessidades diárias. Entretanto, o que vemos são sistemas realizando, tão somente, o “feijão com arroz”, o trivial.
Mas, o eSocial não requer apenas eventos (arquivos) com informações, requer acima de tudo “mudança de postura”, dos profissionais, das empresas de sistemas e, principalmente, dos empregadores.
Assim, voltando ao início, indagamos, e agora José? É mudar ou morrer?
Sobre o Autor:
Odair Fantoni é Coach do sistema ISOR®, com certificação internacional instituto Holos reconhecida pela ICF, International Coach Federation. Palestrante, Executivo de RH, Especialista Pós-graduado em Direito do Trabalho. Profissional atuante há mais de 35 anos em RH e Sistemas de Gestão de RH nas seguintes empresas: Editora Abril, Círculo do Livro, IPL Informática, Sênior Sistemas, Construtora Rodrigues Lima, Elenco Informática e Nydus Systems. Palestrante sobre diversos temas, tais como: Danos Morais no Ambiente de Trabalho, Desoneração da Folha de Pagamento e eSocial. Diretor Presidente do Portal RHevista RH e Diretor de Conteúdo da ABF Educação. Autor do livro eSocial Fácil: Implantação Consciente, publicado de Editora LTR. Ao longo de sua carreira profissional, com consultor de sistemas de RH assessorou centenas de empresas, entre elas: Itautec, Metal Leve, Construtora CBPO, Duratex Florestal, Grupo Estado de São Paulo, Grupo Folha, UOL, Grupo Plaza, Shopping Ibirapuera, Shopping Morumbi e Pestalozzi. Em relação ao eSocial, entre cursos e palestras já desenvolveu mais de 6 mil profissionais e 1200 empresas.
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José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio,– e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?”
(Carlos Drummond de Andrade)