Diversidade: será que existe tolerância das diferenças nas empresas?

Rodrigo Ramos“É preciso aceitar as diferenças!” Hoje em dia esta frase pode ser escutada em qualquer lugar onde existam grupos. Nas empresas, nas instituições religiosas, nas escolas, nas universidades, está na moda ouvir alguém pronunciá-la de boca cheia. Porém, será que o ser falante já parou para refletir o que significa com profundidade o que é aceitar a diversidade? Será que acreditamos que apenas repetindo a frase seremos capazes de incorporar, no seu alto grau de valor, o que é aceitar a diferença do outro?

Incomodado diante dessas questões, gostaria de explanar algumas ideias sobre o que poderíamos pensar o que significa aceitar, e/ou tolerar as diferenças.

Para isso, vou apresentar a ideia de diversidade a partir de 3 parâmetros: a diversidade a partir da imagem; a diversidade a partir da palavra; e a diversidade a partir do fora de sentido.

A diversidade a partir da imagem

Isso faz parte da constituição subjetiva de qualquer ser falante. Construímos a nossa identidade a partir da interpretação do que vivemos na relação com a imagem do outro. Assimilamos desse outro, que tem grande poder de influência imaginária, muitas características que adotamos com o objetivo de construir nossa própria identidade. Não nos surpreendemos quando na fase adulta persistem em nossa personalidade características não verbais, semelhantes àqueles que nos criaram. Quantas vezes ouvimos dizer coisas do tipo: “sabe que eu tenho o mesmo tique do meu pai?”; Nossa, ele assiste TV igual à mãe; Por que você mastiga igual ao seu irmão?”. Por uma questão de sobrevivência, precisamos do outro como espelho para nos direcionar como existir nesse mundo estranho e enigmático. Todos que nascem precisam de um modelo, de uma roupa para iniciar a caminhada e, até hoje, não inventaram lugar melhor para iniciar esta constituição do que o núcleo familiar.

Felizmente, no meio do percurso, a partir do momento que começamos a refletir, a questionar sobre nossa maneira de se colocar, de se apresentar, de se expor na relação com o outro, também desconstruímos nossa auto-imagem. Com isso, temos a chance de lapidar, de reinventar, de nos desprender, ou mantermos alguns traços e símbolos adquiridos no percurso da vida. E quanto mais experiências diferenciadas com os outros vivenciamos, maior a ampliação e capacidade de reinvenção da nossa imagem.

Hoje em dia, no mundo globalizado, a imagem tem uma força avassaladora, capaz de fazer uma pessoa ampliar cada vez mais o seu “eu” a partir da sua capacidade de se interconectar com outros mundos, ainda mais com o fenômeno da internet. Ao contrário do que acontecia antigamente, hoje uma pessoa pode representar diversos papéis em uma mesma vida. Esse é o fenômeno do Orkut, que possibilita identificar-se a centenas de comunidades. Não existe mais a rigidez de representar um papel onde você estiver. Hoje, o sujeito pode ser policial de tarde, à noite dar aulas na Universidade e no final de semana ser mestre de bateria da escola de samba. São as consequências da diversidade expressadas nas imagens representadas na relação com outro. Como comenta Jorge Forbes, vivemos o fenômeno da desidentificação e da pluralização das identidades.

Por conta dos fenômenos da época na qual vivemos, as empresas foram forçadas a adotar um estilo diferente de relacionamento entre seus colaboradores: “é preciso aceitar as diferenças!” – imperativo que vende a ideia de que aceitamos todos. Não por acaso que a marca DOVE criou a “campanha pela real beleza da mulher”. Esta estratégia genial de marketing reflete justamente um alinhamento com o contexto vivido nos dias atuais. Podemos dizer que a Unilever avisa a todos os viajantes: tolerar as diferenças faz parte do negócio de qualquer empresa.

Aceitar a diversidade a partir da imagem causa ecos há tempos, e isso é muito importante e fundamental para iniciarmos o processo, não importa por onde este comece. Porém, será que este fenômeno, de aceitar várias versões, tem suas consequências a partir do parâmetro da palavra e do fora de sentido?

A diversidade a partir da palavra

Associada a imagem, a diversidade entendida a partir da palavra é representada também através daquilo que todo ser falante anuncia de suas próprias crenças, valores, opiniões, lapsos, equívocos, montando a trama de significantes que anunciam uma personalidade diferente em relação a outros seres falantes.

Pensando na ideia de que todo colaborador deve alinhar suas particularidades a visão, missão e os valores de uma empresa para fortalecer a execução em busca de um objetivo comum, será que as empresas conseguem desenvolver fórmulas capazes de unir todas as diferenças em um propósito maior e comum? Eis a questão! Será que já existem grupos de trabalho que conseguem entender e agir com as diferenças para depois alinhar e ajustar as energias em prol de um mesmo objetivo?

Infelizmente, percebemos na maioria das empresas, dos líderes aos subordinados, que existem crenças que acabam com a possibilidade de obter a aceitação da diversidade na íntegra. E a maioria das vezes isso acontece porque aceitar as crenças diferenciadas dos outros incomoda. Incomoda muito e exige muito esforço, todos os dias, compartilhar diferentes opiniões, sugestões, pontos de vista e comportamentos. Representa uma constante força de descolamento do próprio narcisismo, uma experiência de despedaçamento da própria imagem para manter as portas da percepção abertas.

Outro ponto importante de esclarecer, é que existe uma adoração muito grande, um amor próprio, um narcisismo natural e enorme quando pessoas se sentem iguais umas as outras. As pessoas têm enorme prazer quando se reconhecem como espelhos. Quando todos se identificam como semelhantes, acontece satisfação conforto, e como diria Guimarães Rosa, “o animal satisfeito dorme”. É lógico que identificação e semelhança são pontos extremamente importantes para não causar angústia nas pessoas. Precisamos do mínimo de segurança para trabalhar e conviver em grupo, mas o incômodo da diferença é essencial. Esse é um dos grandes sabores dentre os paradoxos da vida.

Agora, na via contrária ao exemplo anterior, quando existe diversidade, existe também, mesmo que seja no menor grau de tensão, agressividade. É como se disséssemos que aquilo que não se parece comigo, ou aquele que não tem a mesma opinião que a minha me agride. Infelizmente este tipo de estrutura da nossa subjetividade trouxe consequências drásticas à humanidade. Os gregos espartanos atiravam deficientes no precipício, o nazismo deixou marcas de horror até hoje e os EUA gastam bilhões destruindo a casa dos muçulmanos. Estes são apenas alguns exemplos de que a diversidade na imagem ou na palavra causa agressividade.

Nas empresas brasileiras é possível perceber maneiras veladas para lidar com a agressividade, surtida por causa da manifestação das diferenças. Ser diferente mexe, causa incômodo. É muito mais difícil sustentar uma posição diferente do que uma posição onde todos pensam igualmente, porém, é muito mais entusiástico e excitante do que a última. A diferença causa confronto, mas encanta na inovação. Por isso, não resta dúvidas que os colaboradores que conseguem aceitar a diferença do outro estão mais flexíveis para aceitar a sua própria diferença. Basta reinventar e estabelecer o slogan “a diferença do outro liberta a minha diferença”, para entendermos que é saudável desconstruir a partir do que vejo de diferente no outro.

A diversidade a partir do fora de sentido

Nosso maior medo não é de sermos incapazes,

Nosso maior medo é descobrir que somos muito mais poderosos do que pensamos.

É nossa luz e não nossas trevas, aquilo que mais nos assusta.

(…)

Procurar ser medíocre não vai ajudar em nada o mundo ou nossos filhos.

Não existe nenhum mérito em diminuir nossos talentos apenas para que os outros não se sintam inseguros ao nosso lado.

(…)

Quando tentamos mostrar nossa Glória, inconscientemente damos permissão para que nossos amigos possam também manifestá-la.

Quanto mais livres formos, mais livres tornamos aqueles que nos cercam.

(Marianne Willianson)

 

Antes de desenvolver esta última parte, é preciso esclarecer que a única pretensão aqui é clarificar a ideia de que existem fenômenos que persistem dentro de nós que não podem ser classificados, pois escapam a qualquer tipo de localização categorial, ou qualquer tipo de pretensão “universal”. Ao mesmo tempo, esses fenômenos são responsáveis por manter a roda das imagens e das palavras girando. Vou chamar esses fenômenos de fora de sentido, justamente para aproximar o conceito para mais perto do leitor. É o que Jacques Lacan, pensador francês, se propôs a fazer durante mais de 50 anos nos seus Seminários, tentar aproximar as pessoas à ideia de que existe algo que sempre escapa ao sentido. Basta ter um corpo que fala e a certeza de que um dia todos irão morrer para conscientizarmos de que o incompleto permanece dentro de nós. No entanto, o mundo atual e seus excessos persistem em criar ilusões de que existe completude nos produtos, nos saberes, nas ciências, nos remédios, nas cirurgias, nos programas de TV, nas revistas, etc.

O mais positivo disso tudo é que os fenômenos fora de sentido não cessam de fazer furos nos nossos pensamentos e saberes, através das emoções, da dor, do equívoco, dos lapsos, das piadas, do erro, dos sonhos e dos exemplos fora de série. O ponto mais empolgante é que cada ser falante tem seu jeito pessoal e, muitas vezes, singular de vivenciar esses fenômenos a partir do seu corpo. Principalmente quando ele entra em acordo de aceitação com a sua estranheza e assume com uma radical responsabilidade o estilo diferenciado de existir. Podemos agradecer todos os dias pela existência de pessoas inspiradoras, que brilharam com a sua estranheza como Steve Jobs, Salvador Dalí, Hermeto Pascoal, Michael Jackson, Lula, Eduardo Suplicy, Gonçalo Borges, etc. Essas pessoas, assim como tantas outras, permitem-se vivenciar seu lado estranho, seu equívoco, sua diferença, sua luz e, com isso, inscrever sua diferença na sociedade.

Será que nas empresas as pessoas seriam capazes de identificar, reconhecer, aceitar e fazer funcionar os estilos fora de sentido, ao mesmo tempo alimentando a missão, a visão e os valores propostos por uma empresa?

Acredito que esse seja o desafio de toda companhia. Aliás, acredito que somente a partir do momento que aceitarmos todas essas diferenças e legitimá-las, tal como Jorge Forbes destaca, os seres falantes, colaboradores, estarão mais dispostos a se comprometer e se engajar em prol dos objetivos estratégicos estabelecidos.

Eis a questão!

BIBLIOGRAFIA

BURTET, Douglas. A natureza do poder. Como atuam os líderes servidores. Rio de Janeiro: Corifeu, 2006.

FORBES, Jorge. Você quer o que deseja?. Rio de Janeiro: Best Seller, 2003.

LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 20 – Mais, ainda, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1982.

Sobre o autor:

Rodrigo Ramos é Consultor, Psicólogo, com formação em Psicanálise, MBA em Gestão Empresarial e experiência em Coordenação de Grupos. Atua há mais de 6 anos ministrando palestras e cursos com foco no desenvolvimento do potencial humano.

E-mail: rodrigoramosconsultor@gmail.com

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