A lógica das organizações modernas se sustenta na fomentação do stress, na manutenção permanente das atividades, “sempre se está com pressa”, na definição diuturna do emergencial, uma após a outra, num ciclo de urgências que não se encerra.
Esse moto contínuo de urgências é que aparentam assegurar uma vida plena e carreira bem sucedida, provas únicas de autoafirmação em que as referências aos valores e opções transcendentes estão cada vez mais ausentes.
Quando estão em ação, envolvidas em mais uma resolução de crise, as pessoas só pensam em curto prazo, no que deve ser feito “aqui e agora”, no imediatismo de suas vidas ou, no máximo, num futuro muito próximo. E, assim, a ação contínua e estressante é a saída inconsciente de escapar do seu próprio eu, um bálsamo para as angústias do cotidiano.
Possivelmente, quanto mais intenso e profundo o mergulho na ação emergencial mais efetivo o seu poder terapêutico de desviar a atenção das dimensões realmente relevantes da vida humana. Quanto mais fundo se mergulha na urgência do dia a dia, mais distante fica a angústia ou pelo menos pode parecer menos dolorosa se fracassarmos no esforço de mantê-la distante. Afinal, estamos tão desviados para outras coisas que até esquecemo-nos de nós mesmos.
A prática gerencial de hoje de manter os colaboradores sempre debaixo de pressão, de provocar um permanente clima de urgência em tudo o que se faz, de apresentar como de suprema importância e como emergência impostergável quaisquer atividades de rotina, é cada vez mais reconhecido e ensinado como estratégias competentes de obtenção de resultados implementadas por executivos eficazes. Muitos não se acanham de persuadir os seus colaboradores a aceitarem candidamente mudanças drásticas que atingem as essências de duas vidas, expectativas e ambições como se fossem as resoluções as mais naturais e rotineiras.
As organizações vivem em permanente estado de emergência, e, desse modo, pela decretação do regime psicossociológico da tirania da urgência estabelecem novos hábitos e padrões de gestão no mundo do trabalho.
Esta parece ser a opção gerencial cada vez mais praticada para a dominação e a transgressão inconteste aos direitos dos colaboradores, com ataques ora sutis ora diretos, mas sempre insidiosos, ao bem-estar dos empregados, para se livrar daqueles já não mais necessários, ou produzidas nas sucessivas fusões ou incorporações, joint ventures, reengenharias e downsizings corporativos. Subsiste apenas o resíduo, mais uma “vítima colateral” do avanço da sociedade de mercado. Somente mais um a ser descartado. E de imediato.
O que se pratica hoje, todos os dias, no universo das organizações não é nada muito diferente do comportamento deplorável do então coronel do Exército, Ministro da Educação do Brasil, ao assinar o Ato Institucional V, em 13 dezembro de 1968: “às favas com a moral e o estado de direito da democracia”.
Sobre o autor:
Adm. Wagner Siqueira: Atual Presidente do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro e Membro da Academia Brasileira de Ciências da Administração. Foi Secretário de Administração, Presidente do Riocentro e Secretário de Assistência Social da Prefeitura do Rio. Consultor de organizações e autor de livros e diversos artigos sobre as ciências da Administração.
site: www.wagnersiqueira.com.br
e-mail: wagners@attglobal.net
Enxergar a urgência e a aceleração próprias do trabalho corporativo contemporâneo como tirania, especialmente em seus impactos sobre a frustração causada pela sua incapacidade de promover a motivação e a auto-realização do trabalhador leva-nos a uma reflexão sobre a eficácia da administração contemporânea em promover um importante objetivo gerencial: tornar o trabalho produtivo e o trabalhador realizado.
Peter Drucker abordara esta questão e a colocara entre os objetivos essenciais da administração ainda na década de 70, no seu livro Management: Tasks, Responsibilities and Practices, em que apontará o enriquecimento do cargo como o caminho para a articulação entre as necessidades da tarefa e do trabalhador. Atualmente, podemos concluir que o empreendedorismo corporativo e a participação no processo decisório organizacional são fundamentais para efetivar o trabalho motivado.
Na prática a tirania da urgência revela o quão longe ainda estamos deste ideal. O quanto ainda é preciso avançar nas nossas práticas gerenciais até que possamos tornar o trabalho corporativo fonte de realização humana. Ao invés de buscarmos o efetivo empoderamento do profissional, o recorrente é a organização que pratica a administração top down e o downsizing, sobrecarregando os seus trabalhadores de estafe com um trabalho alienado e onde a inovação é, apenas incidentalmente, causada pelo empreendedorismo corporativo, mas sim pela execução acrítica das tarefas conforme tradicionalmente executadas ou recomendadas por relatórios elaborados por consultorias multinacionais que, algumas vezes, nada acrescentam além do senso comum.