Toda sociedade que exclui pessoas do trabalho por qualquer motivo – sua deficiência,
sua cor ou seu gênero – está destruindo a esperança e ignorando talentos. Se fizermos isso, colocaremos em risco todo o futuro.
Robert White
Quando falamos de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, se faz necessário entender que a cultura social marcada pelo assistencialismo, a caridade e a falta de informação pautaram nossa relação com o tema e ainda há muito o que superar para desconstruir o ciclo de invisibilidade social (BIELER 2006[1]) ao qual estão submetidas. Segundo o ciclo da invisibilidade, as pessoas com deficiência são escondidas dos demais, tornando-se invisíveis a seus olhos, não se constituindo, portanto, em uma responsabilidade da comunidade em que vivem; se não observamos sua presença não são uma questão social, e sim familiar, não há preocupação em oferecer a elas os mesmos serviços oferecidos aos demais cidadãos; se não são consideradas cidadãos, com direitos a serviços sociais, são discriminadas e por serem discriminadas, são afastadas pela família dos demais cidadãos e o ciclo não se interrompe.
Quando nos deparamos com essas pessoas, a nossa atitude revela não somente nossas crenças e valores individuais, como também o contexto social em que vivemos. Através de um condicionamento cultural, aprendemos os preconceitos e reproduzimos estigmas, de acordo com cada momento histórico. Dessa forma, a trajetória histórico/cultural das pessoas com deficiência reflete como se desenvolveram os valores da humanidade e nos ajudam a entender os motivos pelos quais um dia condenamos ao extermínio membros imperfeitos e hoje estamos aprendendo a conviver com a diversidade humana.
O trabalho é uma das condições básicas quando falamos em sustentabilidade. As pessoas através de sua produção geram renda e se tornam consumidoras.
Pessoas com deficiência muitas vezes têm seu direito ao trabalho negado por conta de uma falsa ideia de que são menos produtivas ou até mesmo incapazes para o trabalho. É comum ouvir de gestores nas empresas, quando da possibilidade de contratação de uma pessoa com deficiência, que a produtividade ou o alcance das metas pode ser prejudicado, pois estas têm mais dificuldade para realizar o trabalho e demoram mais a concluir as tarefas.
A exclusão do mercado de trabalho de pessoas com deficiência é um problema social que impacta diretamente a economia pois, se não podem prover seu próprio sustento, tornam-se dependentes de suas famílias e do Estado.
Voltamos aqui ao paradigma da inclusão e é importante não perder de vista a sua abrangência.
Romeu Sassaki[2] enfatiza:
O paradigma da inclusão social consiste em tornar a sociedade toda um lugar viável para a convivência entre pessoas de todos os tipos e condições na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades. (negrito nosso)
Neste sentido, os adeptos e defensores da inclusão estão trabalhando para mudar a sociedade, a estrutura dos seus sistemas sociais comuns, as suas atitudes, os seus produtos e bens, as suas tecnologias etc. em todos os aspectos: educação, trabalho, saúde, lazer, mídia, cultura, esporte, transporte, etc. (negrito nosso)
E Reinaldo Bulgarelli[3] chama a atenção para a importância da emoção e do subjetivo nesse processo:
Incluir supõe interagir, disposição de todos e não de um. Inclusão é relação, interação e é na qualidade das relações que a diversidade ganha seu maior sentido e potencializa sua riqueza. Ser inclusivo é dispor-se ao novo, ao inusitado, à transformação.
Inclusão é resultado do gesto de incluir, que faz com que todos se sintam acolhidos em suas singularidades para contribuir com o todo na realização da missão do grupo e da instituição.
Inclusão surge na interação e a fortalece, ampliando as possibilidades de cooperação entre as pessoas, de resolver conflitos e de chegar a um bom termo em relação aos desafios.
Inclusão acontece na construção de ambientes promotores de justiça, de interações colaborativas, da criatividade e de soluções inovadoras para os desafios que afetam uma comunidade ou toda uma sociedade.
A participação das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho vai além de sua própria sustentabilidade, pois sua autoestima é reforçada e sua dignidade é garantida. Levando em conta que o número de pessoas com deficiência é crescente por muitas razões (envelhecimento da população, acidentes, conflitos etc.), a adoção de medidas para garantir seu acesso ao emprego é primordial do ponto de vista econômico.
Pessoas com deficiência muitas vezes tem seu direito ao trabalho negado por conta de uma falsa ideia de que são menos produtivas ou até mesmo incapazes para o trabalho.
O processo de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho exigiu que muitos profissionais atuassem para vencer os desafios da empregabilidade para profissionais com deficiência, por muito tempo invisíveis na sociedade e, ao longo de todo esse tempo foi necessário um olhar mais abrangente para a garantia da inclusão e não apenas um processo de contratação.
Os desafios são grandes. Fazer valer leis que asseguram às pessoas com deficiência o direito de efetivarem seus direitos através do sistema de cotas e de políticas afirmativas não é o suficiente quando falamos de sustentabilidade na inclusão.
Quando se discute a inclusão das pessoas com deficiência no trabalho, vemos o quanto ainda é desafiador o sentimento de pertencimento, identidade profissional, independência financeira e exercício de cidadania.
Várias frentes de diálogos e medidas foram se moldando de acordo com as necessidades de todos os atores envolvidos na inclusão. Acessibilidade em todas as suas dimensões, adaptação de equipamentos, desenvolvimento de tecnologia, análise de postos de trabalho, formação de profissionais com o objetivo de garantir o direito de igualmente exercerem suas funções demonstrando suas habilidades e competências, políticas e programas de inclusão em todas as áreas.
Hoje pessoas com deficiência participam de processos de contratação com mais segurança, conhecem seus direitos, buscam melhoria profissional, contribuem com a renda familiar e, em muitos casos, são arrimos de família. Profissionais que atuam na gestão de pessoas aprofundaram seus conhecimentos, aprenderam novas formas de se comunicar com as pessoas com deficiência em busca de trabalho, trocaram informações entre si, desenvolveram programas, venceram desafios…
Essas mudanças trouxeram aos profissionais de gestão de pessoas a tarefa de rever seus conceitos e aprender sobre as formas de lidar com a diversidade humana. Hoje podemos conversar sobre experiências positivas da inclusão e como elas são úteis para a melhoria da qualidade das relações nas empresas. Relatos sobre superação, solidariedade e comprometimento são comuns quando se fala dos programas desenvolvidos. Entendemos que o processo de inclusão exige envolvimento, informação, vontade para promover a mudança cultural. Pessoas com deficiência devem ser contratadas por sua capacidade profissional e, caso seja necessária alguma modificação/adequação (compra de equipamentos, adaptações arquitetônicas etc.) para o desempenho de sua função, esta deve ser encarada como um dos investimentos que as empresas promovem para a melhoria dos seus processos.
O trabalho é uma das condições básicas quando falamos em sustentabilidade. As pessoas através de sua produção geram renda e se tornam consumidoras. Ao promover a empregabilidade das pessoas com deficiência, as empresas se beneficiam de um ambiente de trabalho diversificado, criativo e inovador, que contribui para a compreensão das necessidades de seus consumidores do ponto de vista de soluções e a melhoria das condições de acessibilidade para todos.
Sobre a Autora:
Maria de Fátima e Silva é Pós-graduada em Direitos Humanos, Responsabilidade e Cidadania Global pela PUC do Rio Grande do Sul, com especialização em Gestão Estratégica de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (2007) e graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Fundação Santo André (1989). 23 anos de experiência profissional na área de Recursos Humanos e Diversidade, Equidade e Inclusão.
Sobre o Programa Coexistir:
Desde 2010, temos a convicção de que a existência simultânea – Coexistir – é o melhor caminho para assegurar a construção de uma sociedade sustentável para todos. Acreditamos que o trabalho é um direito fundamental de todas as pessoas, e através dele, o exercício da cidadania se torna efetivo. www.coexistir.com.br
Referências:
[1] BIELER, Rosangela Berman. Desenvolvimento inclusivo: uma abordagem universal da deficiência. [2006].
[2] Romeu Sassaki, palestra “Panorama Geral da Inclusão Social”, Limeira, 2003
[3] Reinaldo Bulgarelli, palestra “Inclusão mais do que dentro e fora, uma transformação do todo”, Novembro/2010.