Prometida a liberação para o dia 21 de março deste ano, o relatório de transparência e igualdade salarial entre mulheres e homens poderá trazer dissabores para diversas empresas brasileiras como, por exemplo, a obrigação de elaborar, apresentar e implementar, em até 90 dias, plano de ação para mitigar a desigualdade e, além disso, multa administrativa se verificada discriminação salarial entre mulheres e homens.
Relatório de transparência e igualdade salarial de mulheres e homens
Em relação ao relatório, conforme divulgado em live realizada pelo Governo Federal, observa-se que não serão informados salários e ou remunerações dos trabalhadores, mas, somente indicadores percentuais relacionados à variação entre a remuneração das mulheres e dos homens. Sendo assim, se existir apenas uma mulher e um homem em determinado grupo seria possível que um deles soubesse o salário do outro. Entretanto, conforme divulgado pelo governo, apenas grandes grupos com 4 ou mais pessoas serão tratados.
Portanto, entendemos que, observado o acima, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD será respeitada.
Da mesma forma, quanto a possibilidade do relatório impactar negativamente a livre concorrência, entendemos que, por não existir informações salariais e ou de remuneração, não há impactos neste sentido para os empregadores.
Ainda, em relação ao relatório, a previsão é que os indicadores levem em consideração, além das diferenças entre mulheres e homens, também as diferenças relacionadas à raça e etnia.
Não exposição salarial
Como já citado, o respectivo relatório não demonstra salário nem a remuneração dos empregados; demonstra e destaca apenas as variações percentuais (observadas as médias e medianas) entre mulheres e homens em cada um dos Grandes Grupos da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Exemplo:
Se em um determinado grande grupo da CBO temos R$ 5 mil como remuneração média para as mulheres e R$ 6 mil para os homens, não serão estes os valores (R$ 5 mil e R$ 6 mil) apresentados no relatório, e nem mesmo a diferença entre eles (R$ 1 mil), mas, a variação percentual equivalente entre as médias. Assim, no caso acima, será indicado no relatório que a remuneração média das mulheres equivale a 83,33% em relação à remuneração média dos homens.
O mesmo acontecerá em relação ao valor da mediana da remuneração praticada pela empresa entre mulheres e homens.
Média e Mediana
Apenas para fins de esclarecimento e para quem não está acostumado com os termos média e mediana, enquanto a Média corresponde à soma dos valores de um grupo dividida pela quantidade de valores existente nesse grupo, a Mediana é o ponto central de todos os valores desse grupo.
Exemplo:
Vamos imaginar que em um grupo temos cinco pessoas com os seguintes salários:
R$ 2 mil, R$ 2 mil, R$ 3 mil, R$ 5 mil e R$ 6 mil
Enquanto a Média é R$ 3,6 (2 + 2 + 3 + 5 + 6 = 18/5 => R$ 3,6 mil) a Mediana será o valor central do grupo, no caso acima, R$ 3 mil, pois este é o valor central de todos os valores presentes no grupo.
Caso existam no grupo quantidade par de valores, a Mediana será a média entre os dois valores centrais. Exemplo, 2 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6. Nesse caso a Mediana será a média dos dois valores centrais, ou seja, (3 + 4) / 2 = R$ 3,5 mil.
Massa salarial e salário de admissão
O respectivo relatório também apresentará os percentuais de variação tanto em relação à massa salarial praticada pela empresa quanto em relação às novas contratações (admissões) no período estabelecido, sempre observado cada grande grupo da CBO,.
Período e fonte de análise
De acordo com o divulgado em live realizada pelo Governo Federal em fevereiro/2024, no primeiro relatório (março/2024) serão analisados os salários e demais itens que compõem a remuneração do ano de 2022 e serão utilizadas as informações existentes na base do eSocial.
Exemplo de informação que será demonstrada no relatório, conforme divulgado em live pelo Governo Federal:
Entendi que este gráfico está com a legenda errada, em vez de salário médio etc deve ser homens e mulheres; veja se é isso mesmo. Ou se trata de salário de contratação e não homens e mulheres.
O Que devemos considerar como diferença
Segundo divulgado na respectiva live realizada pelo Governo Federal, não existe um valor mínimo a ser considerado que possa indicar a inexistência de diferenças salariais entre mulheres e homens, o que nos levar a crer que, principalmente em razão do relatório considerar os grandes grupos da CBO e não cargo a cargo,
é muito difícil uma empresa sair ilesa da respectiva análise. Assim, o que foi declarado através da “Declaração de Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios – 1º Semestre de 2024” será a única forma de livrar a empresa de ser considerada como praticante de desigualdade salarial.
Quanto à declaração chamamos a atenção principalmente para as perguntas sobre a existência de plano de cargos e salários e de políticas voltadas à contratação de mulheres, assim como a adoção de medidas trazidas pela Lei nº 14.457 de 2022, que trata do auxílio-creche, da antecipação de férias, do canal de denúncias e dos treinamentos obrigatórios sobre assédios e outras formas de violências no âmbito do trabalho, entre outros.
Plano de ação
Caracterizada a desigualdade salarial os empregadores serão notificados pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, através do Domicílio Eletrônico Trabalhista (DET) para que elaborem, no prazo de noventa dias, Plano de Ação que deverá conter:
- medidas a serem adotadas com escala de prioridade;
- metas, prazos e mecanismos de aferição de resultados;
- planejamento anual com cronograma de execução;
- avaliação das medidas com periodicidade mínima semestral;
- programas de capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;
- programa de promoção de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e
- programa para capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
Além disso, Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.
Multa Administrativa
Além disso, caso a desigualdade caracterize discriminação, a empresa poderá receber multa administrativa equivalente a dez vezes o valor do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinquenta por cento em caso de reincidência.
Entretanto, temos que aguardar mais informações sobre o “protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens” que está previsto para publicação em breve, em conformidade com a Portaria MTE Nº 3.714, DE 24 DE NOVEMBRO DE 2023
Modelo adotado pela França relacionado ao combate às desigualdades salariais entre mulheres e homens
Muito antes do Brasil, já em 2019, a França publicou normas tratando o assunto e criou um sistema baseado em pontos que são observados dentro de cada um dos seguintes critérios:
1° disparidade salarial entre mulheres e homens;
Calculada a partir da remuneração média das mulheres em relação à dos homens, por faixa etária e por categoria de cargos equivalentes.
2° diferença nas taxas de aumentos salariais individuais;
Entre mulheres e homens desde que não corresponda à promoções.
3° disparidade nas taxas de promoção;
Entre mulheres e homens.
4° percentagem de trabalhadoras que se beneficiaram de aumento no ano do regresso da licença de maternidade;
Caso tenham ocorrido aumentos durante o período de gozo da licença;
5° número de trabalhadores do sexo sub-representado entre os dez trabalhadores que receberam a remuneração mais elevada.
Sobre o sistema de pontos:
Para avaliar cada um dos critérios acima foram definidos pontos em relação a metas de igualdade, por exemplo:
Para o indicador relativo às “colaboradoras que receberam aumento no ano seguinte ao retorno da licença maternidade temos”:
Indicador | Resultados obtidos | Número de pontos |
Percentagem de trabalhadoras que regressaram da licença de maternidade no ano de referência e que se beneficiaram de acréscimo no regresso nesse mesmo período, caso tenham ocorrido aumentos durante a duração da licença (4.º do artigo D. 1142-2) | Igual a 100% | 15 pontos |
Menos de 100% | 0 pontos |
Já para o indicador “número de trabalhadores do sexo sub-representado entre os dez trabalhadores que receberam a remuneração mais elevada”, temos:
Resultados obtidos (número de trabalhadores do sexo sub-representado) | Número de pontos |
4 ou 5 funcionários | 10 pontos |
2 ou 3 funcionários | 5 pontos |
0 ou 1 funcionário | 0 pontos |
E assim por diante, para cada um dos demais critérios.
Vale destacar que, somadas as pontuações máximas de todos os critérios, o uma empresa poderá atingir 135 pontos.
Já em relação ao mínimo esperado, se a empresa não atingir pelo menos 75 pontos deverá implementar medidas corretivas que lhe permitam atingir esta quantidade mínima de pontos no prazo de 3 anos.
Além disso, quando atingir 75 pontos, mas não atingir 85 pontos, deverá definir objetivos de progresso para cada um dos indicadores do Índice para os quais a pontuação máxima não tenha sido alcançada.
Em relação ao estabelecido pelo Brasil, é importante destacar ainda as seguintes diferenças:
- No modelo francês empresas acima de 50 empregados são obrigadas a observar as ações de igualdade salarial, enquanto no Brasil apenas as empresas com 100 ou mais empregados;
- Enquanto no Brasil o relatório terá por base os grandes grupos da CBO, a França utiliza cada categoria socioprofissional e a faixa etária;
- Ainda em relação ao relatório, na França a empresa é responsável em preparar o respectivo relatório com base nas diretrizes estabelecidas. Já no Brasil o Governo Federal é que ficará responsável pela elaboração dos relatórios com base no eSocial e nas informações complementares prestadas pela empresa no portal EmpregaBrasil;
- Na França, aprendizes, expatriados, terceiros e temporários, pré-aposentados e afastados por mais de 6 meses não serão computados para elaboração do relatório. Já no Brasil não foram informados como os respectivos trabalhadores serão tratados no relatório;
- Quanto à remuneração, a França, para efeito da igualdade salarial, não considera remuneração as horas extras, o bônus de antiguidade, a participação nos lucros e o bônus de participação. Já no Brasil devem ser consideradas todas as parcelas que compõem a remuneração, inclusive horas extras;
- No modelo francês apenas grupos que incluam pelo menos 3 mulheres e 3 homens devem ser considerados no cálculo do indicador. Além disso, se o número total de grupos que podem ser considerados para o cálculo for inferior a 40% do total de grupos, o indicador e o índice não poderão ser calculados.
Quanto aos 40%, por exemplo, se fosse no Brasil, verificada na empresa que apenas um dos grandes grupos da CBO tem 3 ou mais mulheres e 3 ou mais homens, o indicador e o índice não poderiam ser calculados, pois, 1 grupo entre 10 possíveis, representa menos de 40% do total de grupos, prejudicando, portanto, a amostra.
Sobre o Autor:
Odair Fantoni é Jornalista, Especialista Pós-graduado em Direito do Trabalho, Contribuidor do World Bank Global para assuntos relacionados ao trabalho e emprego no Brasil, Coach, Mentor, Holomentor® do sistema ISOR® e Palestrante. CEO da ABF Gente & Gestão. Desde 2013 mantém contato direto com os gestores do eSocial e, diversas de suas recomendações impactaram em melhorias no projeto. Executivo de Recursos Humanos com atuação em empresas de diversos porte e segmento, tais como: Editora Abril, Círculo do Livro, Editora Nova Cultura, IPL Informática, Sênior Sistemas e Construtora Rodrigues Lima. Como consultor em Gestão de Pessoas e Sistemas de RH, auxiliou/auxilia centenas de empresas, tais como: Itautec, Metal Leve, Construtora CBPO, Duratex Florestal, Grupo O Estado de São Paulo, Real Hospital Português (Recife-PE), Hospital Santa Catarina, Hospital Albert Einstein e DIMEP, entre outras. Autor do livro eSocial Fácil: Implantação Consciente, publicado pela editora LTr, já em sua 4ª edição, com prefácio desenvolvido pelo Coordenador do eSocial Sr. José Alberto Maia e Coautor do livro eSocial: Origens e Conceitos – A Visão de seus Construtores, publicado pela editora LTr, coordenação de Luiz Antonio Medeiros de Araújo, membro da equipe do eSocial representando o Ministério do Trabalho e Previdência. Desde 2013 até 04/2022, entre cursos, palestras e consultoria, capacitou mais de 6 mil profissionais e 1,2 mil empresas. Atualmente, através da ABF, desenvolve atividades de consultoria relacionadas à questão de isonomia Salarial e, acompanhamento e gestão dos afastamentos com foco na redução do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e outros custos previdenciários.
PARCERIA ABF / T3 / SINCOVAGA
Em parceria a ABF Gente e Gestão, T3 Consultoria em RH e SINCOVAGA SP, dezenvolveram Mentoria específica para atender as empresas do respectivo setor em relação as ações de adequações necessárias relacionadas à Isonomia Salarial entre Mulheres e Homens, incluíndo a elaboração de planos de cargos e salários, políticas de gestão de pessoas relacionadas e o plano de ação.
Para mais informações entre em contato com a ABF, T3 ou SINCOVAGA SP.
Fontes de consulta:
Portaria MTE nº 3.714, De 2023
Live: Lei da Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios: Entendendo o Relatório de Transparência
Decreto Francês sobre Disparidade Salarial entre Mulheres e Homens
Igualdade salarial, finalmente uma realidade. Parabéns para o Brasil. Uma conquista merecida para as mulheres e para os homens, esposos, namorados, amigos.
Estamos no caminho certo.