Especialistas divergem sobre entendimento de tribunais superiores
A partir de agora, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego, também conhecido como pejotização, devem ser analisados pela Justiça Comum, ao invés da Justiça do Trabalho. A decisão é baseada na autonomia das partes de estabelecerem contratos entre si, e só deve ser levada para o juiz do trabalho após a comprovação de fraude ou vício de consentimento.
De acordo com decisões recentes dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) de São Paulo, Campinas, Paraná, Minas Gerais e Alagoas, quando o pedido principal de uma ação judicial estiver relacionado com o reconhecimento de vínculo empregatício, mesmo que outros pedidos façam parte do processo – como horas extras, férias e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) – , a avaliação inicial de uma relação de emprego que comprove a existência dos requisitos exigidos por lei (como subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, somado à possibilidade de uma fraude contratual que comprove que de fato aquele “prestador de serviços” sofreu algum tipo de coação ou que houve má-fé por parte do empregador), passa a ser de competência do juiz da Justiça Comum, e não mais do juiz do trabalho.
Assim, com base nesse critério, a Justiça do Trabalho só irá julgar os demais pedidos ligados a questões trabalhistas após a constatação de alguma irregularidade somada ao vício de consentimento no contrato firmado entre as partes. O assunto em questão tem gerado polêmica, com opiniões divergentes entre os operadores do direito que atuam na área trabalhista.
Para o advogado Aloísio Costa Junior, especialista em Direito do Trabalho, sócio do escritório Ambiel Advogados, essa decisão é no mínimo criticável, pois nem a Reforma Trabalhista de 2017 nem as decisões do STF afastam a aplicação do art. 114 da Constituição Federal, que fixa a competência da Justiça do Trabalho – competência essa que foi ampliada pela Emenda Constitucional 45/2004, para abranger todas as “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, o que foi muito comemorada à época, porque transferiu da Justiça Comum para a Justiça do Trabalho uma série de competências muito mais alinhadas a essa última.
Segundo o especialista, há aparente confusão entre a distribuição da competência para julgar os casos e o direito aplicável. “Se há mudança na lei e na jurisprudência no sentido de que a pejotização agora presume-se lícita e de que cabe ao trabalhador provar a ocorrência de fraude, simulação ou outros vícios de consentimento, isso não significa que a Justiça do Trabalho deixa de ter competência para julgar as demandas relativas, muito menos sob o argumento de que a Justiça do Trabalho historicamente julga em sentido contrário a esse novo entendimento da jurisprudência do STF”, enfatiza.
Aloísio defende a competência da Justiça do Trabalho. “Se há pedido de nulidade de contratos firmados com a pessoa jurídica constituída pelo trabalhador e de consequente reconhecimento de vínculo de emprego, a competência é da Justiça do Trabalho, conforme art. 114 da Constituição Federal. Caberá aos Juízes e Tribunais do Trabalho, aplicando a lei e conformando-a aos precedentes jurisprudenciais existentes, e após o exercício do contraditório e da ampla defesa por todas as partes, decidir se há causa de nulidade da pejotização e se o vínculo de emprego deve ou não ser reconhecido no caso concreto”.
Já para a advogada Mariana Barreiros Bicudo, especialista em Direito e Processo do Trabalho, sócia do Barreiros Bicudo Advocacia, a decisão representa um avanço significativo na busca por mais imparcialidade e especialização no julgamento de alegações de fraude em contratos de prestação de serviço. “A fundamentação dessas decisões está bem exemplificada no julgamento da ministra do STJ, Nancy Andrighi, que destacou a necessidade de verificar a existência de má-fé ou vício de consentimento no contrato de prestação de serviços antes de se decidir sobre a relação de emprego”.
Para ela, a decisão reflete a necessidade de uma análise inicial mais técnica e menos tendenciosa, evitando julgamentos precipitados no âmbito trabalhista. “Essa postura dos Tribunais do Trabalho vai ao encontro do que vem decidindo o STF e evita as críticas que a Justiça do Trabalho estava recebendo de desrespeitar a corte Suprema quanto ao reconhecimento da validade de outras formas de contratação, além da CLT”.
Sobre a questão constitucional relacionada à competência da Justiça do Trabalho, Mariana pondera: “Embora haja críticas por parte de alguns sob o argumento de que a Constituição Federal atribui à Justiça do Trabalho a competência para julgar relações de trabalho de forma ampla, o novo direcionamento procura alinhar-se com uma perspectiva de maior especialização e imparcialidade. Ao permitir que a Justiça Comum analise preliminarmente a legalidade dos contratos, busca-se garantir uma análise mais justa e técnica, beneficiando tanto trabalhadores quanto empregadores”, afirma a advogada.
Fontes:
Aloísio Costa Junior: sócio do escritório Ambiel Advogados, especialista em Direito do Trabalho.
Mariana Barreiros Bicudo: sócia do Barreiros Bicudo Advocacia, advogada, pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo Mackenzie, é formada em Executive LL.M. em Direito Empresarial – CEU Law School.