A vida sem celular

Tom Coelho
Tom Coelho

No dia 28 de outubro de 2012 meu celular foi furtado. Eu terminara de   ministrar uma palestra em um evento aberto e atendia a alguns participantes,   como de hábito, quando alguém sorrateiramente foi ao palco e subtraiu o   aparelho que estava dentro do bolsão frontal de minha mala executiva. Mais   ainda, o meliante, provavelmente com apoio de outra pessoa, também acessou minha carteira, retirou todo o dinheiro e recolocou-a intacta em relação a   documentos e cartões.

Fui dar por conta do ocorrido cerca de uma hora depois. E, honestamente, gostaria de encontrar o protagonista para prestar-lhe toda a minha… gratidão!

Lição 1 – Simplicidade

Após comunicar a operadora de telefonia celular e bloquear o aparelho, aproveitei que era um domingo e fui a um shopping para adquirir uma nova  carteira. A minha não fora furtada, mas poderia tê-lo sido. E ao analisar seu conteúdo, desprovido de dinheiro, topei com diversos cartões bancários e de empresas, além de documentos de porte não obrigatório. Questionei-me: para que carregar tudo isso?

Cheques não são mais utilizados, título de eleitor só tem serventia a cada dois anos, cartões de fidelidade podem ser acessados pelo CPF. Assim, era preciso esvaziar aquela carteira que, de tão magra, precisou ser substituída.

Hoje carrego a habilitação, o cartão do convênio médico, um cartão de crédito e um de débito. Fim! E isso nos conduz a uma importante reflexão: precisamos   resgatar a simplicidade.

Exemplificando, dois ternos e dois pares de sapatos são suficientes para qualquer   homem, aliados a cinco camisas sociais e, por vaidade, igual número de   gravatas. Isso me faz lembrar uma cena do filme “A mosca”, na versão dirigida   por David Cronenberg, quando Jeff Goldblum abre seu guarda-roupas   evidenciando apenas ternos pretos e camisas brancas, ao que sentencia: “Não   quero perder tempo pensando no que irei vestir pela manhã”.

Lição 2 – Estupidez corporativa

No início da semana fui atrás de repor o aparelho. A tarefa parecia fácil, ao   menos para mim, pois dentre os inúmeros modelos disponíveis eu sabia   exatamente o que desejava: o mais barato, disponível por uma nota de cem reais. Porém, no momento de fazer a habilitação, um problema: o serviço estava bloqueado.

Ocorre que quando fiz o plano corporativo, adquiri também um modem para acessar a rede através de meu notebook. Entretanto, o aparelho não funcionava. Ao acionar a operadora, insistiam que eu deveria procurar o fabricante do modem! Após quase um ano sem solução e pagando por um serviço que não utilizava, cancelei-o. Contudo, a operadora insistiu na cobrança gerando um débito indevido, despropositado e ilegal, que surgiu naquele instante como impeditivo para habilitar um novo aparelho.

Dentro deste contexto, ou eu pagava por um débito injusto, ou não teria meu número de volta. Fiquei com a segunda opção, entrando para a restrita família dos “sem celular”.

Registre-se, neste momento, a incompetência da empresa de telefonia. Primeiro, ao não reconhecer e buscar solucionar o problema com o tal modem. Segundo, por obstar a habilitação do novo aparelho, perdendo receita – e mais um cliente. Terceiro, por conquistar o direito a uma ação judicial. Não tem jeito: empresas continuam sendo péssimas amantes de seus clientes. Lutam para conquistá-los, mas não aprendem a mantê-los…

No celular adquirido habilitei um chip pré-pago. Hoje, mantenho o aparelho  desligado em meu carro, para utilização exclusiva em caso de eventual emergência.

Lição 3 – Liberdade

Vamos deixar claro que adoro tecnologia. Quando jovem, era pioneiro em adquirir gadgets. Também aprecio demais a praticidade, a ponto de   instalar uma fechadura digital só para não ter que portar chave para entrar em casa. Mas estamos nos tornando escravos cibernéticos, com uma dependência   patológica da tecnologia.


É preciso desligar dispositivos   móveis
algumas horas por dia para
partilhar da companhia de
familiares, amigos e de si mesmo.

Há anos o computador é meu instrumento de   trabalho, de modo que já passo tempo acima do aceitável diante dele.    Por isso, acho um despropósito ver como os smartphones tomaram conta   do cotidiano, isolando as pessoas do mundo real, virtualizando as relações,   minando o diálogo. E você sabe disso, pois está cansando de ver – e talvez   protagonizar – as corriqueiras cenas de pessoas em volta de uma mesa de bar   sem conversar, apenas dedilhando em suas minúsculas telas.

Viver sem celular fortaleceu meu instinto de planejamento, pois agendo   compromissos, organizo-me para comparecer, saio com antecedência ou comunico   previamente um eventual atraso. Trouxe-me segurança e serenidade, pois não   sou interrompido em reuniões ou quando estou no trânsito. Permitiu-me a liberdade   de ser dono do meu próprio tempo e não refém das demandas de outrem. Ademais,   proporcionou-me momentos de intimismo, quando fico imerso em meus próprios   pensamentos, ao invés de “aproveitar aqueles intervalos para telefonar ou   enviar mensagem a alguém”.

Céticos de plantão e profissionais que notadamente dependem da comunicação   instantânea e em tempo integral dirão que é balela. E eu lhes direi que,   ainda assim, precisam aprender a desligar seus dispositivos móveis algumas   horas por dia para partilharem da companhia de familiares e de amigos – além   de si mesmos.

Sobre o autor:

Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em 17 países. É autor de “Somos Maus Amantes – Reflexões sobre carreira, liderança e comportamento” (Flor de Liz, 2011), “Sete Vidas – Lições para construir seu equilíbrio pessoal e profissional” (Saraiva, 2008) e coautor de outros cinco livros.

site: www.tomcoelho.com.br, www.setevidas.com.br

e-mail: tomcoelho@tomcoelho.com.br

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