A Virtualidade das Organizações

Cláudio Romano
Cláudio Romano

Durante os últimos tempos muito se tem falado sobre as organizações virtuais; Intranet, Internet, Correio Eletrônico, voice-mail, home-banking e afins, têm sido temas corriqueiros em nossas vidas.

Sem sombra de dúvida, o mundo está hoje muito mais simples e muito mais interessante do que era há muito pouco tempo.

Mas, vamos fazer uma análise um pouco mais profunda desta tecnologia à nossa disposição e das intercorrências advindas da sua falha.

A catapulta* (idéia inspirada em Michael Hammer)

* Catapulta = instrumento de guerra com que os feudos atiravam pedras em outros feudos, com o objetivo de subjugá-los e, consequentemente, adquirir a sua soberania.

A organização virtual poderia ser comparada a um mundo onde cada indivíduo ou agrupamento de indivíduos – uma área da empresa – pode funcionar perfeitamente como um castelo medieval, com uma imensa catapulta em seu topo, por onde os problemas podem ser atirados para o castelo mais próximo.

Cada vez mais, indivíduos “resolvem” seus problemas fazendo com que eles desapareçam ou, simplesmente catapultando-os de seus domínios. Um Problema, com P maiúsculo aparenta ter sido resolvido quando ele é devidamente embalado por um e-mail ou por um voice-mail. Instantaneamente ele desaparece e os princípios básicos da delegação são facilmente esquecidos.

Não se discute, aqui, a eficiência destes instrumentos. O que se discute é: será que somente estas ações, são suficientes?

Com a utilização do correio eletrônico e em afirmações como: “Já resolvi o Problema. Enviei um e-mail para Fulano de Tal, que é o responsável pela sua solução”, onde está a certeza de que o Fulano de Tal, em primeiro lugar, recebeu o mail, em segundo lugar, de que ele é, de fato, o responsável pela solução, em terceiro lugar, supondo que ele, de fato é a pessoa adequada e que recebeu efetivamente o mail, onde está a segurança de que o problema foi ou vai ser resolvido no prazo e com o padrão de qualidade esperado? Evidentemente, no campo das suposições.

Ficaria, no mínimo, mais simpático, procurar pessoalmente o Sr. Fulano de Tal (o que asseguraria ser ele, de fato, o resolvedor do problema) e após uma breve discussão seguida do estabelecimento dos padrões de qualidade na resolução do problema, o e-mail poderia ser enviado normalmente. Neste caso, além da segurança já mencionada e do padrão de qualidade já estabelecido, haveria também um possível ganho sinérgico, tendo em vista que dois indivíduos tiveram a oportunidade de discorrer sobre o tema objeto do problema. Não sendo possível o contato pessoal, uma simples ligação telefônica teria o mesmo efeito.

No segundo caso – o da utilização dos correios de voz, afirmativas tais como: “Necessito falar com Beltrano, mas, estando ele ausente, deixei um recado em sua secretária eletrônica e estou aguardando um retorno de sua ligação”, o aspecto mais forte é o de que, sem sombra de dúvida, o agente – aquele fulano que deixou o recado no voice-mail – e que tem o problema, vai, com toda a certeza “abaixar a guarda” e relaxar, se esquecendo completamente do ocorrido e, se o receptor do voice-mail não for um sujeito que esteja habituado a receber ordens desta forma, vai fazer absolutamente nada.

Na pior das hipóteses, o Cliente – razão de existir de todas as companhias – poderá ficar roxo de raiva por não ter recebido a informação que tanto necessitava – ele pode ter enviado um e-mail ou deixado um voice-mail!

O que se procura com este artigo é alertar para o fato de que todos estes recursos disponibilizados pela moderna tecnologia não bastam de per si. São simplesmente ferramentas colocadas à nossa disposição e, que se bem utilizadas tornam as nossas vidas extremamente mais simples.

O e-mail

Neste ponto, necessitamos construir uma nova ciência – ou seria um novo paradigma? Não importa, vamos caracterizar o binômio “Trash Mail” – “Síndrome do Inbox”.

Trash Mail é alimento da Síndrome do Inbox e eles obedecem a uma regra de formação absolutamente exponencial. Uma unidade de Trash Mail gera duas unidades de Síndrome do Inbox, duas unidades de Trash Mail geram quatro unidades de Síndrome do Inbox e assim por diante. Pode-se até dizer que Trash Mail está para a Síndrome do Inbox assim como a droga está para o drogado. Se não existisse a droga e nem como obtê-la, não existiriam drogados.

Trash Mail é aquele tipo de e-mail que, em não se sabendo muito bem para quem enviar, se envia para todos, para a maior quantidade de destinatários, pois dentre todos aqueles que a receberem, provavelmente existirá alguém que utilize a informação – este ato é muito conhecido por “jogar o problema para cima” ou ainda pela sigla SPP – se pegar, pegou…

Outro fator que gera muito Trash Mail é a preguiça. Todos os usuários de sistemas de correio eletrônico têm à sua disposição uma ferramenta chamada “Lista de Distribuição”. Esta ferramenta foi criada exatamente para facilitar a distribuição de correspondências que tem mais do que um destinatário. Mas, como para se enviar um e-mail não há necessidade de colar um selo (aquele que se colava nas correspondências “normais” – aquelas que exigiam um sistema físico de correio – e que tem um custo conhecido) a mensagem será distribuída sem critério algum, ou pelo critério da maior lista de distribuição existente, pois, intrínseco à nossa educação é preferível pecar por excesso.

Já a Síndrome do Inbox tem outra fisiologia.

Todas as pessoas que trabalham com sistemas de correio eletrônico a desenvolvem e é aquela que faz com que os indivíduos se escravizem ante o poder da comunicação.

A coisa se passa mais ou menos assim: a cada dia em que passa sem ler os seus e-mails e numa estimativa otimista, o indivíduo acumula aproximadamente 30 mensagens em seu inbox.

Se o indivíduo tiver que fazer uma viagem de uma semana – apenas cinco dias úteis – se não quiser ou não tiver a possibilidade de acessar o seu correio eletrônico, terá acumulado, para o primeiro dia útil em que voltar ao seu habitat natural, cerca de 150 mensagens para ler! 

Supondo que ele leia, em média uma mensagem por minuto, gastaria 150 minutos para dar cabo de seu inbox – sim, duas horas e meia – supondo que todas as mensagens sejam meramente informativas e que não demandem nenhuma ação.

Supondo ainda que este indivíduo não tenha muito mais a fazer, a não ser responder aos telefonemas que se acumularam durante a semana, atender ao seu chefe ou ainda participar de uma reunião importante, estas duas horas e meia poderão ser transformadas em dias, considerando ainda que neste primeiro dia útil em seu habitat também serão recebidas mais 30 mensagens e assim de forma consecutiva por todos os dias da semana…

Se o indivíduo quiser manter a “correspondência em dia”, adquire a Síndrome do Inbox, que consiste na ânsia diária de ler sua correspondência, custe o que custar.

Evidentemente, existem pessoas que não estão “nem aí” com seus inbox – não sofrem da Síndrome e são tidos como relaxados. É conhecido um caso de um indivíduo que tinha, há cerca de dois meses, 3201 – três mil, duzentos e um – e-mails não lidos em seu inbox e, o que é pior, continuava vivo e em gozo de boa saúde.

Estas pessoas, as que são resistentes à Síndrome, ou não são responsáveis – o que parece não ser verdade, ou desenvolveram uma estranha forma de adivinhação – para saber das conseqüências do ato de não tomar conhecimento, ou simplesmente já conseguem – pela experiência adquirida – identificar o Trash Mail “pelo cheiro da brilhantina” – hipótese que parece ser a mais razoável.

O voice-mail

Aquela luzinha – normalmente vermelha pisca de forma intermitente – sinal de que você tem mensagens não ouvidas em sua secretária eletrônica. Disque sua senha – diz a voz sintetizada do outro lado… Você disca… A capacidade de armazenamento do sistema está esgotada, apague, por favor as mensagens que você não necessita – diz novamente aquela senhorita que, parece ser contratada de todos os fornecedores de voice-mails. Você pode consultar as suas mensagens, mudar as suas características de atendimento, gravar uma mensagem, blá, blá, blá….. Você digita a opção de ouvir as suas mensagens e…… tom de ocupado.

A pessoa que ligou para você, ao constatar que você não estava, decidiu simplesmente desligar o telefone – parece que ela é preconceituosa – não interage com a tecnologia.

Semelhantemente à Síndrome do Inbox, há uma outra fobia – desta feita denominada de Síndrome do Voice Mail que também se instala, pois adicione-se aos trinta e-mails diários que qualquer pessoa recebe, mais, digamos, uns dez voice-mails.

All together now

Se juntarmos as duas demandas – a dos e-mails, que consumirão cerca de três horas de qualquer mortal – com esta nova, que, com certeza consumirá muito mais tempo (telefonemas devem ser respondidos), teremos que reservar, para cada semana fora do escritório mais um dia para colocar a “casa em ordem”.

Se uma semana tem cinco dias úteis, não há alternativa que não seja a de cuidar da demanda reprimida no fim de semana.

Acontece que o estado de espírito de quem tem que colocar a “casa em ordem” num fim de semana não é lá estas coisas…

O primeiro sentimento é de pressa – o quanto mais rápido eu me livrar deste abacaxi, mais tempo sobrará para a minha vida particular – e esta pressa acaba se transformando em afobação.

E ai, o que acontece? O afobado se caracteriza pela ânsia de fazer – de qualquer forma – a tarefa. Ele então se transforma num grande gerador de Trash Mail, tendo em vista que, a grande maioria – senão todos – dos voice-mails, somente poderão ser respondidos durante o horário normal de trabalho.

Algumas pequenas regras para transformar tudo isto num círculo virtuoso

  1. Nunca envie um e-mail para a maior lista de distribuição conhecida. Crie as suas, pois em sistemas complexos, o resultado de qualquer ação é sempre indeterminado.
  2. Haja sempre como se o recurso do e-mail fosse mais uma poderosa ferramenta à sua disposição. Não a única. Um contato pessoal é muito mais poderoso e se lembre sempre que em sistemas complexos não há relação causal entre informação e decisão.
  3. Não desperdice o tempo dos outros. Seja objetivo com relação ao conteúdo de seus e-mails e mais ainda – com os destinatários. Se lembre de que um homem com um relógio sabe que horas são; um homem com dois relógios tem dúvida.
  4. Nunca pense que porque você enviou um e-mail, o seu problema desapareceu ou será resolvido. Uma das formas de um problema desaparecer é pela sua resolução – solução mais lógica, outra é pelo esquecimento e outra – ainda pior é pela habitualidade. A chibatada dói enquanto arde…
  5. A delegação é uma ação que transcende à ferramenta utilizada e ainda está absolutamente em moda.
  6. Pratique sempre a empatia – se coloque sempre na posição de quem está recebendo uma mensagem que você mesmo enviou e antes de qualquer coisa, pergunte: Porque eu estou recebendo isto? Se preocupe em fazer cada vez menos pacientes da Síndrome do Inbox.
  7. Se o assunto for importante – e não urgente – faça um contato pessoal. O telefone existe para isto. Caminhar pelo escritório é saudável, faz com que você perceba várias coisas…
  8. Não classifique todos os seus e-mails como urgentes. Você acabará desacreditado. Utilize este recurso quando realmente a situação exigir. Não queira chamar a atenção ou obter respostas mais rápidas pela utilização deste recurso. O máximo que pode acontecer com a utilização indiscriminada deste recurso é você causar a irritação de seu interlocutor e provocar uma certa dose de má vontade – Lá vem outro e-mail do apressadinho…
  9. Nunca – nunca mesmo – desligue o telefone ao ser atendido por uma voz sintetizada. Ela não morde. Ela não extrairá o seu cérebro – nem mesmo uma gota do seu QI.
  10. Sempre – sempre mesmo – ao consultar o seu voice-mail, apague as mensagens que você já consultou. Anote-as num pedaço de papel e carregue ele com você. Você pode utilizá-lo para telefonar durante o intervalo entre um compromisso e outro. Caso contrário, todas as vezes que a luzinha vermelha do seu telefone estiver piscando e, você estiver com pressa – muita pressa – a senhora digital dirá: a capacidade de armazenamento do sistema voice-mail está esgotada, apague por favor as mensagens que já não…..
  11. Procure aprender todos os recursos do seu sistema de voice-mail. Isto facilitará muito a sua vida.
  12. Após ter seguido todas estas regras, nunca – mas, nunca mesmo deixe de consultar seus Inbox e Voice Mail pelo menos uma vez por dia.

Sobre o Autor:

Cláudio Romano é Diretor Sócio da Pay System, engenheiro eletrônico pela Universidade Mackenzie com especialização em administração industrial pelo Instituto Mauá de Tecnologia e MBA pela FEA – USP. Iniciou o seu primeiro trabalho como responsável pela área de treinamento e desenvolvimento na Philco Radio e televisão Ltda. em 1970. Durante cerca de 20 anos foi o responsável pela área de RH em bancos tais como Unibanco, Banco Noroeste e BMC . Em 1996 assumiu a diretoria da solução para Human Capital Management na SAP Brasil, passou pela Meta 4 em Madrid, foi diretor da ProPay e diretor da Toutatis.

Site: http://www.paysystem.com.br

Email: cromano@paysystem.com.br

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