Estive durante toda a manhã envolvida em uma tarefa que muito prazer me deu. Estava criando um cozido. Atentem para a escolha do verbo. Criando disse eu; não fazendo ou cozinhando apenas. Gosto muito de criar pratos como este que são autênticos desafios. Para fazê-los são necessárias muitas competências. É preciso classificar, analisar, reunir, distribuir e tantas outras. É preciso, sobretudo, possuir uma infável competência a qual o nosso povo em sua singular pontaria denomina “ ter mão.”
Enquanto cozinhava, lembrei-me muito de minha avó: emérita cozinheira. Mulher de inefáveis saberes. Quando fui tomando interesse pela nobre tarefa de aplacar a fome com engenho e arte, muitas vezes perguntei à fada mor de nossa família como fazer este ou aquele prato. Quase analfabeta, vovó não possuia caderno de receitas. Sabia tudo de cor. E dizia: é fácil; vou ensinar. Mexia-se com a pompa simples de uma bailarina na cozinha entre fogão à lenha, mesa comprida e lustrosa , colheres de pau, vasilhas herdadas. E quando terminava a comida dizia gloriosa: viu? É fácil. E eu, pobre de mim, tentava reproduzir-lhe gestos, medidas, provares. Em vão. Nunca saía igual. Faltava-me a “mão.”
A conquista da “mão” na cozinha foi para mim árdua. Foi um processo lento saber que a mão sabe a medida de sal e pimenta; que a mão sabe antes do olho e do garfo o ponto de cozimento, a temperatura, a consistência. Que a “ mão” dá vida as proteínas, gorduras, açúcares; é a “ mão” que organiza nas fartas do cozido as coisas por assuntos bem dispostos, inebriantes, sedutores.
Hoje, quando servi o cozido, os amigos maravilhados, louvara-me a “ mão.” Fiquei faceira.
Um deles me perguntou se não sinto conflito entre ter “mão cheia” na cozinha e meu ofício de consultora na área de Treinamento e Desenvolvimento.
Espantei-me de fato. Conflito nenhum. Um bom consultor é muito parecido com um cozinheiro. Assim como um cozinheiro precisa ter ”mão” para criar da matéria bruta pratos que alimentem o corpo e encantem o paladar, um consultor precisa trazer à mente o fascínio do conhecimento.
Uma vez, vovó ensinou-me que com os mesmos ingredientes que se faz um banquete, se faz uma lavagem. Questão se ter mão. Ou como ela dizia, capricho.
No mundo corporativo, muitas vezes nos deparamos com o fato lamentável de treinamentos que se gastou tanto tempo, energia, dinheiro, serem inconclusivos, ineficazes e outros ins.
Quer dizer, são tão ruins como comida insosa, como caldo ralo e requentado. Treinamento que não seja instigante, que leve a pensar, que, enfim, não transforme, é como comida insípida, inodora e sem sabor.
Treinamento bom é o que desafia a mente a ver/ver-se; que instiga a mente. Alia conhecimento, sentimentos, percepções e sensações. É refeição completa para o Ser.
Bem, enfim, quer dizer, alguém aí quer um cozido? Ou um treinamento? Sem conflito, sem conflito.
Sobre a autora:
Ana Lúcia de Matos Santa Izabel é graduada em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pós-graduada em Administração em Recursos Humanos, master em PNL. É pesquisadora, consultora, professora, palestrante. Tem seus artigos publicados em jornais e revistas de circulação nacional.
e-mail: analucia@orioncomunicacao.com.br
Tenha certeza de uma coisa, Ana: neste post, voce definitivamente acertou na mão.