A Divina Comédia Corporativa

Celso Gagliardo
Celso Gagliardo

O tempo passa, a tecnologia avança, o homem consegue explorar as mais inesperadas áreas e ciências para satisfazer as necessidades das pessoas, mas as relações internas das organizações continuam a preocupar os analistas de plantão.

Um fator sem dúvida muito forte na rotatividade dos quadros de pessoal, especialmente nos níveis mais altos, dito especializados e de comando, ainda é o das relações humanas, ou seja, a forma como as pessoas são tratadas, ou, nalguns casos, verdadeiramente destratadas.

A política de relações “desumanas” adotada nalgumas organizações, mesmo  que involuntariamente, muitas vezes é fruto da má preparação de suas linhas de comando, pessoas com viés técnico que são guindadas a posições onde boa parte do tempo exige-se foco na integração e melhor desempenho das pessoas. O perfil dessas pessoas, por vezes executivos experientes, aliado à pressão por resultados difíceis, aumenta o potencial de conflitos e desmotivação no ambiente de trabalho.

Nas poltronas onde os analistas de carreira, “coachs” e outros profissionais do gênero atendem seus clientes, pipocam depoimentos os mais intrigantes de relações desafetuosas, que perduram teimosamente, causando mal para todos – para cima, para baixo, para os lados, afetando portanto muita gente de forma negativa, sugando energia positiva, causando cansaço imotivado e estresse, chegando nalguns casos à somatização, com profissionais adoecendo pela relação promíscua que se estabelece e pode se manter por muito tempo.

Diriam alguns que a organização – uma empresa qualquer – não é perfeita, fruto da limitação do homem que a faz. Verdade. Já ouvimos, também, que a empresa “não é um baile de anjos”, já que as relações sociais não se manifestam de forma pura, celestial. Igual verdade. Entretanto, não é concebível que pessoas – por vezes cabeças pensantes de um grande negócio – não consigam se compor minimamente em boas relações, para sofrer menos durante a maior parte de sua vida ativa e útil, ou seja, durante 8, 9, 10 ou mais horas por dia.

A lógica e a racionalidade que predominam nas decisões empresariais têm espaço reduzido quando o assunto é “gente”, tratamento, ligação, entendimento, emoção. A pressão por resultados exercida cada vez mais fortemente sobre os executivos também contribui em certos casos para o “inferno interno”, mas todo profissional – cada um no seu nível de atuação – recebe pressão, e precisa aprender a conviver com ela exatamente para sofrer menos, ter qualidade de vida, e conseguir bons índices de produtividade para si, e sua equipe.

Empresas perdem bons profissionais por relações internas descuidadas, ou porque algum “medalhão” intocável insiste em tratar os subalternos de forma a agredir valores e princípios, ferindo a dignidade humana.

O ambiente organizacional é um retrato da sociedade, com agravante da alta competitividade que se estabelece. Ali permeia muita hipocrisia, sendo a fogueira de vaidades o grande vetor de idiossincrasias, dissidências, e mal estar. É preciso estar preparado para surfar sobre essas ondas revoltas, sem envolver-se demasiado no emaranhado delas, sob pena de afogar-se, ou mesmo sem afogar seguir surfando a um custo emocional absurdo, um custo-benefício que não se completa, não vale a pena.

Falar a verdade, fazer o jogo do ganha-ganha, cumprir o que promete e tratar as pessoas com dignidade, enfim, ter elegância no sentido amplo do termo deveriam ser regras estampadas e difundidas nas Políticas da Qualidade de toda organização. Mas não é isso o que vemos, com honrosas exceções quase sempre fruto do perfil do fundador ou do chefe maior (CEO) que cultuam ou cultuaram valores que ficaram e que, por vezes, são sustentados às duras penas.

Não estamos aqui apregoando relação de compadrio e docilidade. Muito ao contrário. A função comando exige cobranças e controles, disciplina e determinação, mas também chama à figura do provedor, aquele que sabe que por trás de um “fator de produção” tem o ser humano integral que pensa, tem sentimentos, valores, princípios, ambições, educação. E que quer ser respeitado, para respeitar.

O bom gestor, e a empresa que preza pelo seu clima, equilibram emoção e razão num “jogo” permeado entre bem-estar e felicidade que as pessoas buscam (humano), e as metas, resultados e lucratividade (anseios da organização), reduzindo desta forma o espaço antagônico formado pelos objetivos díspares das pessoas e o das empresas.

A propósito, como você se vê frente aos seus subordinados? Consegue o necessário equilíbrio entre “morder e assoprar”? Reflete sobre aquele momento raivoso que lhe tirou do sério, e aprende com ele, inclusive se desculpa com as pessoas, quando necessário? Procura se auto-conhecer cada vez mais (virtudes, limitações….) para se tornar uma pessoa mais equilibrada em gestos e atitudes?

E você, subordinado fiel, ou nem tanto, tem praticado o jogo limpo nas relações de trabalho? Apoia espontaneamente os colegas nas dificuldades? Tem atitudes que denotam respeito ao próximo, apreço e solidariedade? Procura viver em paz social, apesar do mundo egoísta e cada vez mais individualizado que se nos afigura?

É preciso que cada um faça a sua parte nesse amplo jogo, com reavaliação contínua, para termos uma relação diária firme e profissional, mas saudável, fraterna, verdadeira e elegante. Praticar ajuda ao próximo, através do voluntariado, é uma excelente e recomendada prática que muito ajuda para humanizar as relações do trabalho.

Reflitam.

Sobre o autor:

Celso Gagliardo é profissional de Recursos Humanos e Comunicações, graduado em Direito e especializado em Recursos Humanos, habilitado consultor de Pequenas e Médias Empresas. Prestou serviços como técnico, executivo e consultor em várias empresas nacionais. Foi redator de jornal, é palestrante e treinador. Fundador e membro de Grupos de Recursos Humanos (atual CEPRHA), e diretor da PH – Patrimônio Humano, Consultoria e Serviços. Atualmente é gestor corporativo de RH do Grupo Estrutural.

e-mail: gagliardo@vivax.com.br

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4 Respostas para "A Divina Comédia Corporativa"

  1. Nossa maior patrimônio e fator de sucesso são as pessoas, e essas devem receber todas as condições para exercer suas atividades. Cabe aos dirigentes cuidar deste patrimônio. Antes de falar em qualquer plano de carreira, vamos falar de planos pessoais. Cuidar do outro e entrar em suas vidas, é regrar sua saúde,sua família e seu tempo. Se enganam os lideres em falar que a vida fora da Empresa não interessa, interessa e reflete no dia a dia. Vamos pensar em cuidar do outro, e de si.
    Celso continue sendo esta pessoa singular, simônio de Humano, em palavras aplicadas como as suas é que ainda podemos ter esperança de dias melhores.

  2. Celso,
    parabéns! Como sempre, mais um artigo que relata um “problema”, que parece quase que geral em todas as Empresas. Numas mais graves, em outras mais leves, mas existe. E essa relação mais afável, digamos assim, nem sempre parte da presidência ou diretoria. Na maior parte dos casos, está no âmbito de gerência. Espero que um dia voce possa escrever que esse relacionamento está melhor, um pouco mais humano!

  3. Luís Fernando Melloni · Editar

    Prezado Celso, Artigo bem sintonizado com a realidade corporativa na qual existe um desbalanceamento entre os objetivos principais da organização: sustentabilidade, lucratividade e crescimento. A grande questão que é de difícil resposta, será: Está a organização com todos os seus stakeholders prepararada para preparar seus comandantes sobre todos estes aspectos?

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