Se você trabalha fazendo parte de um grupo de trabalho em sua empresa, há duas coisas que pode fazer para torná-la inteligente e produtiva: afaste líderes que insistem em apropriar-se indevidamente do tempo para explorar suas próprias ideias e invista em uma forma de treinar o nível emocional da equipe para que ela se torne capaz de fazer leituras faciais inteligentes. Nada mais que isso.
Dr. Martin Portner
Em 1968, quando John Lennon compôs a música Glass Onion (The Beatles, Apple Records), Paul MacCartney o fitou longamente e entendeu que as linhas “eu lhe falei sobre o palhaço na colina/ acho até que ele ainda vive por lá” haviam sido escritas para feri-lo. John, por outro lado, disse não poder aturar Paul cantando “volte para onde você deveria estar” – parte do estribilho de Get Back – olhando na direção de Yoko Ono.
Tempo depois o grupo partia ao meio e seus membros seguiram caminhos independentes. Os fãs não entenderam por que; ficou a impressão que qualquer grupo com essa fama, notoriedade e fortuna precisava fazer muito pouco para seguir tendo fama, notoriedade e fortuna.
Mas o que Paul leu na expressão facial de John e vice versa parece ter sido fatal. O grupo se desfez e nunca mais voltou. Para entender o que aconteceu precisamos, ao que parece, conhecer determinadas leis agrupadas sob o guarda-chuva do que se chama hoje de neuroeconomia.
Um estudo recente demonstrou que executivos que tomam decisões no mercado de futuros têm o batimento cardíaco registrado no eletrocardiograma como qualquer outra pessoa. A diferença é que eles sabem contá-los, sem nem mesmo se mexer. Um destes corretores era capaz de detectar pequenas oscilações para mais ou para menos do próprio batimento. O mais impressionante era o fato de sua conta corrente ser creditada com 10 milhões de libras esterlinas anuais face a sua habilidade em comprar e vender contratos futuros lucrativos.
Isso quer dizer que arriscar na bolsa de valores depende do ritmo do coração? Não, quer dizer que corretores dotados da capacidade da análise dupla – externa (portfolios na bolsa de valores) e interna (interocepção) – são mais bem sucedidos em suas operações.
Agora, temos a notícia que grupos de trabalho bem sucedidos dependem da capacidade de seus integrantes para ler as expressões faciais de seus colegas de equipe.
Essa é uma das importantes conclusões do Projeto Aristóteles, gestado no ventre da Google Inc. desde 2012. Googlers decidiram que queriam saber o que faz equipes serem bem sucedidas e o que não. Um bom líder? A estrutura do projeto? A capacidade de seus membros em detectar nichos de mercado?
O Google tem feito coisas impressionantes. Além do potente motor de buscas, essa empresa de tecnologia explora milhares de novas ideias ao mesmo tempo. Por causa da cultura de melhoria contínua, ela se tornou mais do que uma fábrica de tecnologia. O sucesso e o tamanho da empresa deram ao Google a oportunidade para explorar as fronteiras da produtividade de seus funcionários bem como o equilíbrio entre trabalho e vida privada. Mas eles foram generosos em compartilhar suas descobertas. Depois de anos de pesquisas internas sobre a eficácia das equipes, eles concluíram que o esforço para equiparar as equipes de trabalho com base em pessoas dotadas de habilidades não funciona.
Na verdade, as características-chave das equipes bem-sucedidas (também chamadas de princípios operacionais não verbalizados) são duas: (1) todo mundo fala entre si com períodos de tempo semelhantes – sem que alguém tenha que monitorar o diálogo. A distribuição do “tempo de conversação” se dá naturalmente; (2) todos os membros da equipe têm capacidade superior à média para ler as emoções de outras pessoas com base em suas expressões faciais.
De fato, o expediente de ler expressões faciais e processar, internamente, conclusões válidas, não é exatamente tarefa fácil. Primeiro, temos que poder aprender a captar com precisão as sutilezas dos movimentos faciais daquele ou daquela com quem interagimos. Segundo, temos que possuir um conjunto operativo dos assim chamados neurônios em espelho. Eles geram, dentro dos seus circuitos, um feeling muito aproximado ao feeling que o outro quer transmitir. E, terceiro, precisamos de um sistema de controle emocional suficiente para fazer com que as emoções em espelho sejam transformadas em informações racionais para que possamos trabalhar como uma equipe.
Se você trabalha fazendo parte de um grupo de trabalho em sua empresa, há duas coisas que você pode fazer para torná-la inteligente e produtiva. Afaste líderes que insistem em apropriar-se indevidamente do tempo para explorar suas próprias ideias. E invista em uma forma de treinar o nível emocional da equipe para que ela se torne capaz de fazer leituras faciais inteligentes. Nada mais que isso.
Em sua ascensão meteórica, a dupla John Lennon e Paul MacCartney escreveram uma canção singular. Perguntaram, nos versos de When I´m Sixty-four “quando eu envelhecer / perder meus cabelos / daqui a muitos anos / você ainda enviará um cartão / e uma garrafa de bom vinho / como presente?”
Parece que a leitura facial entre eles não funcionou. Além disso, não levaram em conta o que George Harrison e Ringo Starr pensavam. O tempo para cada um deles opinar e compor era muito desproporcional. O grupo não vingou. Salvo melhor juízo, as conclusões do Google parecem válidas.
Sobre o Autor:
Dr. Martin Portner é Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.
Site: www.martinportner.com.br