O mundo que vivemos hoje é muito diferente do vivido por nossos avós e tataravós. Eles viveram num contexto de oportunidades diferentes da nossa, com outras expectativas, perplexidades e complexidades. Nossos avós viveram num mundo em que os cientistas sociais convencionaram chamar de a Sociedade Industrial.
Essa Sociedade se caracterizou como todos sabem, primeiramente, pela introdução das máquinas nos processos de trabalho e, posteriormente, subsumiu o homem, menosprezando suas capacidades. Ou melhor, esta era transforma o trabalhador, de forma ímpar e invulgar. Faz de seu trabalho algo externo, estranhado e distante.
Até essa era, pelo trabalho, o ser social objetivava-se “através da produção e reprodução da sua existência”. Na Sociedade Industrial o trabalhador é transformado em mercadoria, como os demais fatores de produção (Antunes, 2006a: 123).
Ainda, nessa angulação, com a mecanização da produção e a nova morfologia do trabalho, que só foi possível graças à reestruturação produtiva do capital, diga-se de passagem. Surgem novos e fortes impactos na vivência subjetiva dos trabalhadores.
A indústria é filha do capitalismo e dele traz a marca indelével. Só pôde nascer graças à racionalização econômica do trabalho – implicada obrigatoriamente em sua funcionalização -, que perpetua em seu funcionamento como uma exigência impressa na materialidade de sua maquinaria. Nascida da separação entre o trabalhador e “seu” produto e os meios de produzi-lo, a maquinaria industrial torna necessária essa separação, mesmo quando não foi concebida com esse propósito (Gorz, 2003: 57-58).
A introdução da máquina no sistema de produção, subverteu totalmente esta situação. A máquina tem esta particularidade: substitui com eficiência o esforço físico humano, mas não dispensa o homem: este é sempre necessário para movimentá-la, fazê-la andar corretamente e detê-la no momento preciso (Basbaum, 1977: 25).
Avançando nessa perspectiva, a Era Industrial (ou Sociedade Industrial, como queiram) transformou a ordem econômica, política, cultural e social da época. Este fenômeno provocou, não só a alienação do ser social (o trabalhador), mas foi também o responsável pelo ponto de inflexão de todas as transformações no tecido social e que, aos poucos, foi substituindo os operários por máquinas, nas tarefas.
O capitalismo dessa altura, portanto, trouxe a redução dos preços e a popularização dos produtos. Aumentou o desejo pelo consumo, inventou novos produtos e serviços que se tornaram indispensáveis à vida de todos, bem como aumentou a futilidade.
Por outro lado, ele reificou o homem, apagou as relações humanas, criou vínculos monetários no lugar dos comunitários, sociais e familiares. Enfim, no capitalismo, as relações sociais foram substituídas pelas relações com o mercado (Braverman, 1981: 237-239).
Deixando para trás a Era Industrial (sem esquecer de suas influências e desdobramentos nessa nova era) e dando um salto para os últimos 20/30 anos, do século passado [e para o princípio deste], nos deparamos com uma realidade herdada. Ou melhor, o mundo agora é flexível, nervoso e subsumido pelo mercado, mínimo, global, e neoliberal.
Os atores sociais são despolitizados e apáticos, e o shopping center é o refúgio e/ou o santuário de todos. Já que, todos, são socialmente reféns dessa nova ótica (McChesney, 2006: 11-12).
Seguindo nesse passo, as mudanças iniciadas na era industrial se aperfeiçoam nesta. A tecnologia contribui na mudança da estrutura física dos espaços do trabalho, bem como em toda a reestruturação produtiva do capital. Esta era traz uma nova morfologia para o trabalho; um novo design para os escritórios; novos experimentos flexíveis não só na produção, mas em novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros e outros; novos produtos e mercados são criados/abertos; promove-se um desassalariamento sem precedentes; vive-se um período desregulamentação e desterritorialização da produção; ocorre uma severa reestruturação produtiva; uma nova mudança no desenho e na divisão internacional do trabalho, entre muitas outras mudanças. Levando, no limite, a fortes impactos na classe trabalhadora e em sua subjetividade (Antunes, 2006 b: 14-16).
O operário, escreve Benjamin Coriat, deve transformar-se ao mesmo tempo em “fabricante, tecnólogo e administrador”. Polivalente e encarregado de um agregado de operações e mestre de um conjunto modular multifuncional de meios de trabalho, deve entrar “comunicacionalmente” em acordo com os membros de seu grupo e com os grupos que lhe sucedem e lhe antecedem, para tornar-se padrão coletivo de seu trabalho coletivo (Gorz, 2004: 40-41).
Uma mudança na moderna estrutura institucional acompanhou o trabalho a curto prazo, por contrato ou episódico. As empresas buscaram eliminar camadas de burocracia, tornar-se organizações mais planas e flexíveis. Em vez de organizações tipo pirâmide, a administração agora quer pensar nas organizações como redes. ‘As arrumações tipo em redes pesam menos nos pés’ do que as hierarquias piramidais (…) (Sennett, 2003: 23).
Então, a partir da década de 90, do século passado, é que a reestruturação produtiva intensifica-se no Brasil, por meio da implantação de vários modelos flexíveis oriundos do que se convencionou chamar de acumulação flexível e toyotismo (Antunes, 2006 b: 18).
A partir destas transformações, surgem novas formas de contratação e de terceirização da força de trabalho, bem como a transferência das plantas produtivas, na busca de incentivos fiscais, salários mais baixos, entre outras vantagens para os capitalistas (Antunes, 2006 b: 18).
Estas alterações do modelo produtivo levam, portanto, como era de se esperar, a um enorme enxugamento da força de trabalho, combinado a significativas mutações na configuração dos seus contratos e, em desregulamentações dos direitos sociais dos que ainda ficaram trabalhando.
Ainda e, sobretudo, por outro lado, nesse contexto, para piorar o quadro, surgem novas exigências feitas aos trabalhadores, tais como: auto-capacitação profissional, polivalência, comprometimento, motivação, bom humor, parceria, mente empreendedora etc.
Os trabalhadores pós-fordistas, ao contrário, devem entrar no processo de produção com toda a bagagem cultural que eles adquiriram nos jogos, nos esportes de equipe, nas lutas, disputas, nas atividades musicais, teatrais, etc. É nessas atividades fora do trabalho que são desenvolvidas sua vivacidade, sua capacidade de improvisação, de cooperação. É seu saber vernacular que a empresa pós-fordista põe para trabalhar, e explora (Gorz, 2005: 19).
Sem aprofundar nessa discussão visto que esse tema é polêmico e controverso, e, partindo para a conclusão deste artigo. Na era pós-industrial as empresas exigem dos seus colaboradores dedicação incondicional, bem como (ela) modela e condiciona esse trabalhador a partir de seu sistema de valores e cultura próprios (muito bem administrados pelo RH). Ou seja, as empresas desse novo nexo, já nos processos seletivos, buscam candidatos com perfis perfeitamente ajustados (e/ou submetidos) a esta lógica.
Em suma, as organizações na era pós-industrial exigem dos trabalhadores que eles despojem-se de sua identidade de classe, de seu lugar na sociedade e de seu pertencimento na coletividade global. Em troca, a firma lhe dá: uma identidade empresarial; uma cultura que será o princípio organizador e distinguidor; treinamento específico e extremamente aculturador; um vocabulário próprio da “casa”; e um estilo vestimentar distintivo e personalizado (Gorz, 2004: 47-49).
Na verdade, estas organizações procuram incutir um novo patriotismo, que é o “patriotismo da empresa”, e apresenta ao trabalhador uma nova forma de pertencimento. Ou seja, a firma busca, a qualquer preço que os trabalhadores se entreguem de corpo e alma; e, em troca, ela lhe dá uma identidade, uma personalidade, um trabalho e uma nova relação social (Gorz, 2004: 47-48).
Por outro lado, a empreendimento absorverá (ou se preferirem, sugará) toda a energia desse trabalhador. O princípio central e mobilizador dessa nova lógica (determinada pelo capitalista e cuidada pelo RH) é o da busca pela “excelência indefinidamente crescente de seu desempenho” e a perda total de si (Gorz, 2004: 48).
Assim, o que diferencia este nexo (da era pós-industrial) para o modelo fordista-taylorista (da era industrial), é que os trabalhadores daquela lógica não pertenciam à empresa. Eles possuíam um contrato de trabalho e de prestação de horas. Segundo condições e modalidades muito bem determinadas em contrato e reguladas severamente pelos sindicatos classistas.
Esse trabalhador pertencia a si mesmo, a seu sindicato, a sua classe e à sociedade. Nesse passo, grosso modo, pode-se afirmar que esse trabalhador “aceita a sua alienação”, sob certas condições, e mediante pagamento (Gorz, 2004: 48).
Já na era pós-industrial são abertas brechas no direito do trabalho, na democracia e nos espaços da cidadania. Nesse passo, a empresa desse nexo compra a pessoa e sua dedicação incondicional. A subjetividade que nasce desse novo tipo de relação não é mais livre, nem própria do trabalhador. Ou seja, é uma subjetividade externa e da empresa. Não sobram a este trabalhador, nenhum espaço físico ou psíquico, que não tenha sido ocupado pela empresa e sua lógica capitalista (Gorz, 2004: 48-49).
Foi, então, durante a década de 1980, que ocorreram os primeiros impulsos do nosso processo de reestruturação produtiva, levando as empresas a adotar, no início de modo restrito, novos padrões organizacionais e tecnológicos, novas formas de organização social do trabalho. Iniciou-se a utilização da informatização produtiva e do sistema just-in-time; germinou a produção baseada em team work, alicerçada nos programas de qualidade total, ampliando também o processo de difusão da microeletrônica (Antunes, 2006 a: 17).
Deveremos, efetivamente finalizando o artigo, enquanto profissionais de RH e com o apoio das Ciências Sociais e Humanas, mormente, repensar esta questão que está posta: o trabalho não pode ser visto como sofrimento, alienação, submetimento, ou seja lá o que mais. O trabalho não pode tornar o homem um mero apêndice de máquinas ou escravos do Império.
O trabalho ter que ser fonte de prazer, complementaridade, satisfação, crescimento pessoal e liberdade. Não pode ser esvaziador, escravizador, inútil e cansativo. As organizações, da era pós-industrial, têm que refletir sobre os novos significados do trabalho, sua produção e reprodução, bem como ele tem que ser ressignificado e ganhar, como num passado recente, o status de valor e de dignidade humana.
Referências:
1.ANTUNES, Ricardo. (2006 a), Adeus ao Trabalho. 11ª Edição. São Paulo, Editora Cortez.
2.___________. (Org.) (2006 b), Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo, Editora Bomtempo.
3.BASBAUM, Leôncio. (1977), Alienação e Humanismo. São Paulo, Editora Símbolo.
4.BRAVERMAN, Harry. (1981), Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do trabalho no Século XX. 3ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar.
5.GORZ, André. (2004), Misérias do presente, Riqueza do possível. São Paulo, Annablume.
6.___________. (2005), O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital. São Paulo, Annablume.
7.McCHESNEY, Robert W. (2006), Introdução do livro O Lucro ou as Pessoas? Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil.
8.SENNETT, Richard. (2003), A Corrosão do Caráter. 7ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Record.
Sobre o autor:
Angelo Peres é Mestre em Economia, Pós-graduado em Recursos Humanos, Marketing e Gestão Estratégica, Doutorando em Educação pela Universidade católica de santa fé / Argentina. Professor do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL). Coordenador acadêmico dos programas de pós-graduação em Gestão de Pessoas e Gestão estratégica, do UCL, Palestrante e instrutor em programas de treinamento; Sócio-Gerente da P&P Consultores Associados.
e-mail: ppconsul@unisys.com.br