Então você decidiu afastar um hábito indesejado. Uma mania que lhe incomoda. Algo que vem sendo feito ou pensado repetidas vezes. Já virou ensaio maçante; não serve para nada e passou a ser um problema. Além de não ajudar, tornou-se uma mala no caminho.
Se você está na média das pessoas que buscam mudar um hábito incômodo, chances são de que seis meses se passaram desde que você decidiu mudar e nada aconteceu.
Isso ocorre por que há poucas coisas mais difíceis na vida do que extinguir um hábito. Hábitos – que também chamamos de mania, como roer as unhas, ruminar sentimentos de menos valia, não sair da cama de manhã – são comportamentos organizados pelo cérebro. Em algum momento, ele decide que determinado hábito é útil e deve ser mantido; por mais que você deseje o contrário, as tentativas para eliminá-lo acabam dando em nada.
Isso acontece baseado na economia. Digamos que você vai ao supermercado; uma das coisas que você precisa é um tubo de pasta de dentes. Você já sabe em que gôndola sua marca predileta está. Ela casualmente se encontra na altura dos olhos, você simplesmente a alcança e a lança na cesta. Mas naquele dia, você decide que gostaria de comparar o preço e o tamanho do tubos das outras marcas disponíveis. O estriado, o núcleo cerebral que gerencia o planejamento automático das coisas do dia a dia, quase tem um ataque; “não é possível, o time que está ganhando está para ser mexido. Vai levar um minuto a mais e ainda por cima vai dar na mesma”.
Manter o que está arquivado tem custo baixo. Extinguir o circuito de neurônios que operacionaliza o hábito exige esforço, glicose e mini descargas elétricas percorrendo células nervosas que gostariam de estar quietas. Vai sair mais caro.
Se você realmente deseja descartar o hábito, vamos sugerir uma mudança de estratégia. Cientistas descobriram que velhos hábitos não se extinguem. Deixe-os lá e substitua-os por novos. Se você se empenhar no passo a passo, levará não mais do que 48 horas para um hábito ser reprogramado. Vamos examinar.
O problema da mania é o que a traz à cena. Sempre há um disparador. Geralmente é um pensamento; pode ser um som, uma imagem, um comentário, qualquer coisa. O hábito é desencadeado por algo. Quando esse algo pintar na mente, o que daria início ao hábito, você o interrompe, por um instante, através de uma mini sequência cognitiva. O que é isso?
Uma boa mini sequência seria relembrar algumas notas musicais que fazem a abertura de uma música, por exemplo. As cinco notas da guitarra estupenda de Eric Clapton abrindo Someone`s Knockin´; ou as nove notas de Eine Kleine Nachtmusik, de Mozart; ou mesmo a voz grave de Zélia Duncan sobreposta ao teclado na abertura de Catedral.
Imediatamente depois de a sequência cognitiva ser rodada na mente, você aciona uma mini concentração em cima de algo do seu próprio corpo. Isso deve durar um tempo. Por exemplo, focar a atenção nos dedos polegar, indicador e médio como se eles estivessem segurando o braço da guitarra; ou o sorriso de coringa do Wolfgang Amadeus; ou seus olhos, como se fosse Zélia mirando a plateia.
Qualquer combinação – uma sequência cognitiva e o foco sobre um componente do corpo pelo período de quatro ou cinco minutos. Foco inarredável, fixo, sem deixar vazar. O que vai acontecer é a regravação da trilha inicial. Uma nova trilha, aquela que envolve notas musicais e o foco sobre a parte corporal.
Interessante, você dirá, perdemos uma mania e adquirimos outra. Ocorre que esse expediente dará início à formação do hábito de focar em algo que pertence a você. Estudos em neurociência mostram que exercícios de autofoco são mágicos. A velha mania, aquela substituída pela sequência cognitiva e foco corporal, é esquecida. Você passa a adquirir hábitos rotativos. Velhos hábitos ficam para trás; novas ideias passam a dominar a cena.
É o início de um novo comportamento que acaba em uma qualidade chamada de criatividade. E a vida, prepare-se, não será mais a mesma.
Dr. Martin Portner é Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness.
Site: www.martinportner.com.br