Construir uma cultura de Diversidade, Equidade & Inclusão (DE&I) dentro de uma organização não é algo que se faz de um dia para o outro. No entanto, é preciso dar os primeiros passos – com intencionalidade e apoio das lideranças. E, além de ações de conscientização dos colaboradores e políticas afirmativas, é necessário olhar com cuidado cada vez maior os processos de recrutamento e seleção para que eles possam não só contribuir, mas também reforçar essa cultura, afinal, o tema de DE&I é sistêmico.
Em um país desigual como o nosso, aplicar políticas afirmativas para estimular a inclusão de profissionais de grupo minorizados é essencial para superarmos discriminações, ampliarmos oportunidades e mudarmos nossos vieses inconscientes. Mas, o que são vieses inconscientes? De forma breve, são pensamentos e atitudes que tomamos de forma automática, a partir de padrões que aprendemos ao longo da vida, por meio de amigos e familiares, manifestações culturais, conteúdos que consumimos, que podem nos levar a considerações enviesadas.
No entanto, quando estamos falando sobre uma seleção ou a decisão de promover um(a) colaborador(a), temos a missão de eliminar ao máximo esses vieses para não excluirmos pessoas de grupos historicamente minorizados por conta das nossas experiências pessoais. E isso não é uma função exclusiva do RH, mas essa área tem em mãos ferramentas e processos que podem acelerar essa mudança.
A tecnologia, principalmente a inteligência artificial, vem avançando muito nos últimos anos e pode ajudar – quando bem utilizada – a diminuir e eliminar os vieses em tomadas de decisões. Imagine um processo seletivo que avalia o perfil de mais de 40 mil inscritos. É natural contar com ferramentas para a triagem inicial, porém, a configuração e a customização intencional dela é fundamental para redução desses vieses. É possível, por exemplo, ocultar os dados pessoais das pessoas candidatas, compartilhando com os responsáveis pela contratação apenas as informações macro e essenciais para análise. É o chamado recrutamento às cegas.
Na Movile, desenvolvemos um chatbot para que possamos eliminar os vieses inconscientes no processo de seleção do Mobile Dream, programa anual de contratação de jovens talentos para todas as empresas investidas por nós. A adoção dessa tecnologia permitiu contratar 238 talentos na última edição, turma de 2022, sendo todos eles de ao menos um grupo minorizado – 51% são mulheres, 73% pretos e pardos, e 40% da comunidade LGBTQIA+.
Esse é o segundo ano que usamos a tecnologia para garantir um recrutamento mais inclusivo e os resultados conquistados nos mostram que estamos no caminho certo. Além dos números, os depoimentos de alguns participantes reforçam os impactos positivos dessa abordagem, como o de um dos selecionados na última edição: “Esse foi o primeiro processo seletivo que fiz sendo eu mesmo (homem trans). Em todas as etapas sempre foi dito para sermos nós mesmos, mas vocês foram muito além, nos deram confiança para sermos totalmente nós e com carinho nos abraçaram em todas as etapas. Obrigado por me permitirem ser eu mesmo!”
Além de nós, outras empresas também estão usando ferramentas para minimizar os vieses na contratação. No entanto, é importante reforçar que isso só vai ser levado em consideração pela organização que está conduzindo a seleção, se diversidade e inclusão forem, de fato, uma preocupação genuína da companhia e da alta liderança.
Mais do que isso, tornar uma empresa diversa e inclusiva não se restringe apenas ao recrutamento. É necessário desenvolver ações internas de conscientização, letramento, revisão de código de ética e conduta adequados, programa de aceleração de carreira e mentoria específico para os profissionais de grupos minorizados, além de sensibilização da alta liderança. No Mobile Dream, por exemplo, temos uma trilha de formação e aceleração para que as pessoas aprovadas se desenvolvam e assumam novas posições e desafios internamente, além de preparar as lideranças diretas sobre a importância de criar uma boa jornada.
Acredito que só adotando essas e outras ações, além de acompanhar a evolução continuamente, será possível avançar em direção a uma cultura realmente diversa, equânime e inclusiva, em que haja escuta ativa, valorização desses profissionais e que represente a população brasileira. O caminho é longo, mas com certeza, valerá a pena.
Sobre o Autor:
Matheus Fonseca é gerente de Produtos de RH da Movile. Ao final de seu curso de Administração na Unesp, em 2017, foi aprovado no Mobile Dream, programa de estágio da companhia, e iniciou sua jornada na área de RH. Durante os últimos cinco anos, atuou na estruturação da área de Employer Branding, desenvolvimento e treinamento, compensation e também como Business Partner de todas as pessoas da Movile. Em 2019, foi eleito um dos Valuable Young Leaders, premiação criada pela Eureca e Grupo Anga que reconheceu 30 líderes intra-empreendedores no Brasil.