Acreditava eu, há anos atrás, que ser um profissional de RH com certo destaque e respeitado pelos colegas de trabalho, áreas-clientes, meu chefe etc, bastava, tão-somente, entender (conhecer e/ou dominar) os processos de RH.
Hoje penso diferente. Penso que ser um profissional qualificado no RH há que se fazer algumas outras “leituras corretas” dos ambientes empresariais (interno e externo); há que se entender que cultura e valores de uma empresa tem que ser encarados com respeito e consideração, bem como o Homem deve ser “olhado” como o bem mais precioso que temos na organização. Mormente nas organizações do setor de serviços.
Não bastasse isso, temos que entender, por fim, que trabalho (e as relações de trabalho) das Eras Industrial e Pós-Industrial sofreram graves mudanças em suas lógicas; e que não seremos (jamais) bons profissionais de RH sem que entendamos de algumas questões “sutis”, porém, cruciais para o correto desempenho e/ou o entendimento (mínimo) de pontos ligados ao trabalho, relações de trabalho, relações interpessoais etc.
Um desses pontos é a questão da alienação.
O que é isto?
O que isto representa para o sucesso ou o fracasso das organizações?
O que é trabalhador alienado? O que isso tem a ver com o RH?
O artigo procura resumir isto: a alienação (o que é) e o sofrimento que decorre desse processo perverso iniciado na Era Industrial e aprimorado na Era Pós-Industrial onde as relações econômicas sobrepujaram as relações sociais e humanas. Ainda, este artigo procura – de forma muito rala – passar a percepção disto e os impactos ( catastróficos ) na gestão de pessoas.
Trabalho e Alienação.
Alienação é, antes de tudo, “uma forma de relação entre os homens e, ao mesmo tempo, entre os homens e determinados objetos ou coisas que lhe são exteriores”. Ainda, esta forma de relação não é natural ( Basbaum, 1977: 17).
Este termo, originalmente, era usado pela Psiquiatria que designava uma forma de perturbação mental. Hegel utilizou o termo, a primeira vez, como “a apropriação do homem pelo espírito absoluto”. Porém, foi Marx, a partir de um dos seus manuscritos, que lhe deu um caráter e um conteúdo econômico-social. Ou seja, “o homem não perde apenas a identidade de si mesmo (a consciência de si) mas passa a pertencer ao objeto, à coisa, ao outro”. Porém, ainda, segundo Marx, a alienação não impede o prosseguimento das relações que se estabelecem entre os homens e as coisas, ocultando uma alienação real” (idem, 17).
Assim, alienação é a perda da consciência de si, em virtude de uma situação concreta.
O processo de alienação, segundo Marx, se realiza de dois modos: (i) ele assume uma forma aparentemente ativa: o homem tem que trabalhar e, como sabemos, no capitalismo trabalho é uma mercadoria, como qualquer outra força de produção. Dessa forma, o trabalho passa a ser a principal fonte de alienação para o homem; e (ii) o homem é educado para aceitar o trabalho como forma natural da existência social e não como uma forma alienante (idem, 18).
Para ficar mais claro e para que entendamos o que isto tem a ver com o RH, temos que nos apropriar um pouco do que Braverman (1981) escreve. Segundo ele, trabalho é uma atividade que altera o estado natural dos materiais para melhorar sua utilidade. Assim, “a espécie humana partilha, com as demais, a atividade de atuar sobre a natureza de modo a transformá-la para melhor satisfazer suas necessidades” (49).
Ainda, segundo ele, “trabalho é uma atividade proposital, orientado pela inteligência e é produto essencial da espécie humana” e o “trabalho que ultrapassa a mera atividade instintiva é assim a força que criou a espécie humana e a força pela qual a humanidade criou o mundo que conhecemos” (idem: 49 e 52-53).
Porém, ainda segundo Braverman, o trabalhador faz um contrato de trabalho com o capitalista por conta que não lhe resta outra alternativa. Ou melhor, o empregador é o possuidor de uma unidade de capital e, parte desta unidade é oferecida ao trabalhador em forma de salário. Desse modo, instaura-se a relação (assimétrica e subserviente) entre capital versus trabalho. Ou, em última instância, começa a funcionar o processo de trabalho capitalista onde o trabalhador aliena-se do produto do seu trabalho (idem: 54-56).
Dessa forma, embora trabalho seja (ou deveria ser) um processo de criar valores úteis, torna-se, nessa relação de esvaziamento (o rompimento do equilíbrio entre concepção e execução), processo de trabalho agora dominado pelos aspectos sociais que o capitalista introduziu. Ou seja, nessa nova relação o trabalho deixa de ser força de trabalho e passa a ser mercadoria. Ou, dito de outra forma, o processo de trabalho tornou-se responsabilidade do capitalista e, como era já esperado, o controlador do processo. Assim, os homens e as mulheres têm suas capacidades, sonhos e expertises solapados e/ou afogados pelas novas formas sociais impostas a partir desta nova lógica (idem: 56-59).
É bom que se entenda, sem muito aprofundamento sobre este tema tão complexo, que a lógica do trabalho que conhecemos hoje é fruto de uma mudança (total) nessa relação. Ou seja, o homem primata trabalhava a fim de obter sua subsistência e/ou sobrevivência. Porém, este trabalho estava dentro de uma lógica e dentro de princípios organizativos que não preteriam o homem em favor de uma acumulação desenfreada e sem respeitar qualquer princípio, moral, ético, humano, psíquico etc .
A Era Industrial e os Processos de Alienação e Sofrimento.
Assim, e continuando no caminho da reflexão da alienação e do sofrimento vis a vis a complexidade que é a gestão de pessoas, temos que apontar o marco inicial de tudo. O ponto histórico distinguidor: a Era Industrial.
A Era Industrial é uma era que possui muitos aspectos positivos, porém, no aspecto trabalho e relações de trabalho, é um marco histórico indiscutível.
A Era Industrial não é só a era da introdução das máquinas na produção gerando novos resultados econômico-financeiros inéditos. A Era Industrial é, também a era que inaugura, através de um pseudocientificismo, a mecanização do Homem.
É na Era Industrial que, no limite, o homem ( o capitalista ) divide o trabalho de forma pormenorizada. Isto é, é na Era Industrial que se destroem as ocupações, na medida em que o trabalhador se dissocia do produto que produz. Dito de outra forma, é na Era Industrial que se inaugura de forma clara a chamada divisão pormenorizada do trabalho. E, dessa forma, torna o trabalhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. Ou seja, se aliena.
Assim, na Era Industrial, enquanto lógica capitalista taylorista-fordista, divide o homem e, esta subdivisão menospreza a capacidade humana e, no limite, é um crime contra a pessoa e contra a humanidade (Braverman, 1981: 71-72).
Sem muito alongar nesta reflexão, a Era Industrial é um momento separatório. É um momento de sofrimento e separação. Ou melhor, o trabalho deixa de ser um ponto de partida para a humanização do trabalhador, para se transformar em algo fantasmagórico, degradante e aviltante. Neste momento o trabalho se transforma em mercadoria e o processo de trabalho se converte (somente) em fonte de subsistência. O que deveria ser a forma humana de realização do indivíduo reduz-se a única saída de subsistência. Desfigurado, o trabalho torna-se meio de vida (Antunes, 2006:124-126).
O sofrimento começa quando a relação homem-organização do trabalho está bloqueada; quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação. Quando o trabalhador usou de tudo de que dispunha de saber e de poder na organização do trabalho e quando ele não pode mais mudar de tarefa: isto é, quando foram esgotados os meios de defesa contra a exigência física. Não são tanto as exigências mentais ou psíquicas do trabalho que fazem surgir o sofrimento (se bem que este fator seja evidentemente importante quanto à impossibilidade de toda a evolução em direção ao seu alívio). A certeza de que o nível atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o começo do sofrimento (Dejours, 2005: 52).
Como o trabalho deixa de ser o momento fundante do homem, na sociedade capitalista há a desrealização do ser social. Ou melhor, o resultado do processo de trabalho (o produto do trabalho) é algo alheio, estranho etc. Dessa forma, o trabalhador só se sente livre, fora do trabalho. “Sente-se em casa quando não trabalha e quando trabalha não se sente em casa”, sofre. O seu trabalho não é voluntário. É compulsório e forçado. O trabalho deixa de ser uma fonte de vida e prazer e passa a ser – apenas – uma fonte de para satisfazer suas necessidades. O vínculo social entre as pessoas se transforma em relação social entre coisas. O trabalho, como dito acima, passa a ter a finalidade única e exclusiva de gerar valor de uso sem, contudo, para o trabalhador, é completamente indiferente o tipo de valor de uso produzido (Antunes, 2006: 126-127).
O trabalho, agora, fragmentado, leva a atividade produtiva a um isolamento capitalista que faz com que homens sejam atomizados e, em lugar de sua consciência social de antes, têm-se o culto da privacidade, a idealização do indivíduo e o indivíduo é tratado abstratamente (idem: 127-129).
Trabalho, Relações de Trabalho e a Moderna Gestão de Pessoas.
Na verdade nós, gestores de RH, precisamos melhor compreender que não são só os processos de RH que nos distinguem à frente dessa área tão importante e tão contestada.
Isto, na verdade, como dito acima, é o mais fácil deste trabalho á frente da área de RH.
Ser bom em recrutar e selecionar pessoas é relativamente fácil; ou, conseguir montar (ou adquirir no mercado) bons programas de treinamento e desenvolvimento, também, não é tarefa divinatória ou impossível.
Agora, compreender a organização, atender suas necessidades (explícitas ou não) dos recursos humanos (ou melhor, das pessoas), bem como trabalhar de forma pró-ativa, isto sim é gerir RH.
Gerir RH, como qualquer outra área, requer expertise. Ou melhor, o verdadeiro papel do profissional de RH é este: “escutar” a organização e entender o que está “escutando”. Isto sim é o papel, verdadeiro e mágico, do profissional de RH.
Os gestores de RH têm que ter a consciência que gerir pessoas não é só “cuidar” de técnicas, métodos e instrumentos racionais de trabalho e de controle. Gerir pessoas é entender que o homem é um ser dotado de desejos, pulsão, expectativas, tem alma e se comunica por meio de palavras e comportamentos (Peres, 2006).
Gerir pessoas é, no limite, entender que o homem é dotado de vida interior e experiências através de sua vida social, religiosa e psíquica, entre outras, bem como é o resultado de “marcas” singulares em sua formação criando crenças e valores compartilhados na dimensão cultural que vão construir a experiência histórica coletiva dos grupos organizacionais (Peres, 2006).
Referências Bibliográficas:
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? 11ª Edição. São Paulo: Editora Cortez, 2006.
BASBAUM, Leôncio. Alienação e Humanismo. São Paulo: Edições Símbolo, 1977.
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A degradação do trabalho no século XX. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar Editores, 1981.
DEJOUR, Christophe. A Loucura do Trabalho. 5ª Edição. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
PERES, Angelo. Gestão de Pessoas e Subjetividade. Visitado em www.internativa.com.br. Acesso em 25 de fevereiro de 2007.
Sobre o autor:
Angelo Peres é Mestre em Economia, Pós-graduado em Recursos Humanos, Marketing e Gestão Estratégica, Doutorando em Educação pela Universidade católica de santa fé / Argentina. Professor do Centro Universitário Celso Lisboa (UCL). Coordenador acadêmico dos programas de pós-graduação em Gestão de Pessoas e Gestão estratégica, do UCL, Palestrante e instrutor em programas de treinamento; Sócio-Gerente da P&P Consultores Associados.
e-mail: ppconsul@unisys.com.br