As histórias que o cinema não está contando sobre as mulheres na ciência

Dias atrás, assisti ao filme Oppenheimer, que conta a história do físico que desenvolveu a primeira bomba atômica. Para além do mérito dessa invenção, se fez bem ou mal para a sociedade, saí do cinema refletindo sobre a falta de referências femininas nos grandes feitos da humanidade.

Sabemos que Albert Einstein criou a teoria da relatividade, que Alan Turing é considerado o pai da computação, que Charles Darwin criou a teoria da seleção natural, mas poucas pessoas sabem ou falam sobre as descobertas de mulheres que também foram e são geniais.

É importante ressaltar que não estou desmerecendo os homens que são referência em suas áreas ou dizendo que essas obras não devam existir. Mas faço uma simples provocação: quando falamos sobre ciências, tecnologia, descobertas ou invenções, o nome de qual mulher vem à sua mente?

Podemos aproveitar a Copa Feminina para fazer um paralelo entre Marta e Neymar. Ela foi eleita seis vezes a melhor jogadora de futebol do mundo, tem recorde de gols com a camisa da seleção brasileira, recorde de gols em Copas do Mundo (são 17 no total) e é embaixadora da ONU, porém ainda recebe salários menores e patrocínios mais tímidos em relação aos jogadores homens de destaque.

Esse e outros exemplos, como o do Oppenheimer, me levam a pensar como precisamos de mais referências sobre as conquistas das mulheres. Por isso, aproveito este espaço para contar um pouco da história de Cecilia Payne-Gaposchkin. Você já ouviu falar dela?

Cecilia nasceu em Wendover, na Inglaterra, no ano de 1900. Astrônoma e astrofísica, ela descobriu e comprovou que o sol é composto primariamente de hidrogênio e que as estrelas são compostas de hidrogênio e hélio. Apesar disso, não aprendemos o seu nome na escola e também não assistimos a nenhum filme, documentário ou série que registrasse suas inovações. Até conseguimos encontrar alguns livros sobre a sua biografia, mas nenhum deles traduzido para o português.

Quando pesquisamos a sua história, descobrimos que Cecilia Payne perdeu o pai aos quatro anos e foi criada por sua mãe, Emma. Aos 19, ganhou uma bolsa de estudos na Universidade de Cambridge, onde começou a vida acadêmica pela botânica, física e química.

Cecilia concluiu os estudos, mas não ganhou um diploma, pois naquela época a Universidade de Cambridge só concedia diplomas para homens – regra que permaneceu assim até 1948. Percebendo que sua única opção acadêmica na Inglaterra seria tornar-se professora, Cecilia mudou-se para os Estados Unidos em 1923. Foi lá que ela escreveu sua tese de doutorado, em 1925, tornando-se a primeira pessoa a conseguir o título de doutora em astronomia pela Radcliffe College, que pertencia à Universidade de Harvard.

Sua tese mencionava a descoberta de que as estrelas eram compostas de hidrogênio e hélio, mas seu orientador na época, Henry Norris Russell, contestou e até ridicularizou essa conclusão, incentivando-a a deixar esse fato de fora. Aliás, esta dúvida e questionamento sobre o trabalho das mulheres ainda é muito comum no século 21! Quatro anos mais tarde, porém, Henry descobriu que ela estava certa. Ao escrever o seu próprio trabalho sobre o tema, ele deu um crédito discreto para Cecilia no final.

Mesmo assim, ela eventualmente recebeu o reconhecimento da comunidade científica. Importante mencionar que seu título oficial de astrônoma veio apenas em 1938 e nenhum dos cursos que lecionou em Harvard foram registrados, até o anuário de 1945. Tudo isso me faz pensar: Será que Cecilia ganhava o mesmo salário do que os seus colegas professores? Tinha o mesmo investimento em suas pesquisas? O mesmo destaque?

Fazendo uma referência ao título do filme sobre as cientistas da NASA, não tenho dúvidas de que Cecilia Payne também era uma “estrela além do tempo”. No entanto, sua descoberta de que hidrogênio e hélio são os dois elementos mais comuns do Universo ainda não foi exibida nas salas de cinema. Quando nós, mulheres, vamos poder olhar para a tela e nos vermos mais representadas ali?

Ao mesmo tempo em que já avançamos bastante, ainda temos uma lacuna muito grande a ser preenchida. Para incentivarmos essas conversas, selecionei mais cinco mulheres brilhantes para nos inspirar a contarmos mais essas histórias.

Ada Lovelace

A Condessa de Lovelace, como era conhecida Augusta Ada Byron King, foi uma escritora e matemática inglesa famosa por ter criado o primeiro programa de computadores da história. Entre os anos de 1842 e 1843, ela desenvolveu o algoritmo que permitiu uma máquina computar valores de funções matemáticas. Existe um filme de 1997 chamado ‘Conceiving Ada’, uma ficção científica que mostra uma inventora contemporânea que consegue se comunicar com Ada. Infelizmente, não está disponível em nenhuma plataforma de streaming no Brasil.

Hedy Lamarr

Nascida em 1914, a atriz austríaca também foi inventora. Ela atuou em mais de 30 filmes ao longo de sua carreira e teve que fugir do marido em 1937. Passou por Paris e Londres, até se estabelecer em Hollywood. Durante a Segunda Guerra Mundial, inventou um sistema de rádio para despistar radares nazistas, que serviu como base para a telefonia celular que conhecemos hoje. Lançado em 2017, o documentário ‘Bombshell: A História de Hedy Lamarr’ traz um pouco desta trajetória científica e também não está mais disponível em nenhuma plataforma.

Marie Curie

Polonesa e nascida em 1867, foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel e a única a ser laureada duas vezes. Desenvolveu a teoria da radioatividade e nomeou o primeiro elemento químico que descobriu, o polônio, em homenagem ao lugar onde nasceu. Marie também fez a descoberta do elemento rádio e, durante a Primeira Guerra Mundial, criou a radiografia móvel que foi usada nos hospitais de campanha. Disponível na Netflix, o filme ‘Radioactive’, baseado no livro sobre a vida de Marie Curie, traz para as telas sua trajetória pessoal e profissional.

Enedina Marques

Filha de um lavrador e uma empregada doméstica, foi a primeira mulher a se tornar engenheira civil no estado do Paraná e a primeira mulher negra a ter um diploma nessa área no Brasil, em 1945. Durante mais de duas décadas de profissão, colaborou para muitas obras, entre elas a Usina Capivari-Cachoeira, a maior central hidrelétrica subterrânea da região Sul do país. Enedina faleceu em 1981, aos 68 anos. A engenheira paranaense ganhou um episódio no audiolivro ‘Pioneiras da Inovação’, disponível no Spotify.

Margarita Salas

A bioquímica espanhola, nascida em 1938, dedicou sua carreira à genética e à biologia molecular. Ela descobriu a enzima do DNA polimerase, responsável por replicar fragmentos de DNA em quantidades suficientes para permitir a realização de testes genômicos. Com essa descoberta, os testes de DNA se tornaram mais rápidos e precisos, facilitando áreas como a ciência forense e a arqueologia. Apesar de ainda não ter sua história retratada em um filme, é possível conhecer mais da sua trajetória no livro ‘Vida de Margarita Salas’, escrito por María Luisa Maillard García e María Jesusa Álvarez Ayala.

Sobre a Autora:

Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada com 15 anos de atuação em Inclusão & Diversidade, escritora, professora da Fundação Dom Cabral, mestra em Sustentabilidade pela FGV. Foi pioneira no tema D&I com o lançamento em 2010 do Super Fórum Diversidade & Inclusão, que está indo para a 12ª edição, e tem como propósito apoiar as corporações a construírem ambientes mais diversos e inclusivos, tornando-as mais inovadoras e sustentáveis.


 

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